A caminhada do General

- Quando eu tinha a sua idade todo mundo me dizia que eu era a cópia do Victor Mature! - dizia o General reformado Augusto Siqueira Neto, enquanto, orgulhoso, estufava o peito.

Realmente, do alto dos seus 68 anos, forte, espadaúdo e bronzeado como um surfista havaiano, o general tinha boas razões para se orgulhar de sua saúde, obtida às custas de muita disciplina, que incluía uma dieta restrita, 1.000 abdominais diárias e uma caminhada de 8 km pelo calçadão da avenida Atlântica, todos os dias, - "Mesmo que chova canivete." - dizia o general.

Embora ele negasse, todos os amigos afirmam que ele só mora na rua Siqueira Campos, porque considera que ela é a rua dos "Siqueiras".

- Veja o senhor, Dr. Luiz, a que ponto nós chegamos. - falava o general para este ouvinte ofegante, que tentava acompanhá-lo, em seu périplo, às 7h00 da matina, de uma fria e nevoenta manhã de outono - Ontem no Mundial (o Supermercado Mundial), aquele camarada do alto-falante avisava aos clientes para que colocassem suas bolsas sobre as barrigas, por causa dos furtos que estavam acontecendo. Que vergonha, isto é um absurdo! - O general ficava vermelho e as veias da cabeça saltavam enquanto falava. Quem era eu de contrariar.

- É sim, general. É um absurdo - concordava eu, com um meneio de cabeça.

E continuou: - "Olha, Dr. Luiz, eu não gostava do Lacerda, era um chato, um verdadeiro corvo, mas fez um bom trabalho com os comunistas e com os desgraçados de Copacabana".

- Mas como assim, General? Falam até que mandou afogar mendigos e...

- Boatos! Boatos! Nunca se provou nada disso! - os olhos irritados do general não deixavam margem a dúvidas, o Lacerda era bom demais.

- É verdade, general.

- Eu sei, eu sei. - e prosseguia - No governo do Lacerda a gente podia andar na rua, não tinha pivete, nem mendigo, nem este monte de postitutas no calçadão. Eles eram recolhidos, os menosres iam para o SAM onde tinham casa, comida e educação. Os marginais, ora, prá onde que tinham que ir? Iam pro xilindró mesmo, cana dura, que é o lugar deles.

E continuava o general: - Todo mundo fala mal, também, do governo militar, mas naquele tempo não tinha essa bagunça não. Lugar de pivete, ladrão, traficante e comunista era na cadeia.

É general, mas tinham as torturas... - tentava ponderar.

- Exagêro. Todo mundo sabe disso, ora, Dr. Luiz. - prosseguia o general - Que a tortura existiu, todo mundo sabe. Mas eu quero saber é o seguinte: como se tira informações de um criminoso? O senhor acha que é oferecendo flores e bombons?

- Não general, só não acho certo a tortura. Cadeia, vá lá, mas só depois de julgado e condenado. Tenho muito medo da justiça feita por quem não é capacitado para tal - ponderei com o general.

- Concordo, Dr. Luiz, mas o que o senhor pensa do Fernandinho Beira-Mar? E do Elias Maluco? Ah, se estivessem na minha mão... Já tinham passado o nome, telefone e o endereço, com CEP, de todos estes malditos traficantes. E esses maconheiros, filhinhos de mamãe? Tinha era que prender todo mundo. Queria ver se o crime não diminuía...

- É general. Pontos de vista, né?

Nesta altura um ventinho frio começou a bater lá na altura da rua Miguel Lemos.

- Pô general, tá frio até prá pinguim.Acho que vou voltar.

- Ah, vocês jovens precisam de um treinamento, estão muito fracos.

- Bem general, obrigado pelo "jovem", mas vou ter que voltar. Até amanhã! - me despedí com um aceno rápido.

- Até amanhã, senhor Luiz, mande lembranças prá sua senhora.

E, aos poucos, o nevoeiro foi engolindo o general e os seus ideais de ordem e justiça.

2007-06-25 14:31:19

Ed. Copamar




Essa é a esquina da Rua Ministro Viveiros de Castro com Ronald de Carvalho, em Copacacabana, que foi reproduzida na cidade cenográfica Projac, pra novela Paraíso Tropical. Com vários prédios art-deco muito bonitos, construidos há pelo menos 60 anos, essa esquina fica entre a R. Barata Ribeiro e a Praça do Lido, à duas quadras da praia.



Aqui sempre têm muitos "burros sem rabo", os conhecidos e tradicionais carrinhos manuais para o transporte de pequenas mudanças pelo bairro.
Nessas ruas também acontece uma feira-livre muito movimentada, todas as quintas-feiras, mas nada disso aparece na novela.



O Ed. Palacete Oceânico, com suas pastilhas rosadas e o portão de ferro dourado, na Rua Ministro Viveiros de Castro 229, foi a inspiração para o Ed. Copamar – cenário reconstruido fielmente na Projac para representar a Copacabana romântica de Paraíso Tropical.



O Ed. Copamar foi criado por Gilberto Braga e Ricardo Linhares como um núcleo dramático para abrigar a diversidade de personagens que caracteriza o universo de Copacabana. Lá moram o vacilante Heitor (Daniel Dantas), a gengivuda Neli (Beth Goulart), a semi-virgem Camila (Patricia Werneck), a síndica Jabiraca Iracema (Dayse Lucidy) e a anã Dinorá (Isabela Garcia), entre outros.

Fotos - Jôka P. - Postado originalmente por Jôka P. no blog http://www.avenidacopacabana.blogspot.com/ e republicado com permissão. Para mais posts do Jôka P. no Avenida Copacabana clique aqui!

2007-06-18 09:45:08

A namorada de toda vida (e eu nem imaginava...)

A mais pura verdade!

As lembranças podem enganar a gente. O tempo passa, a gente cresce e num belo dia mostra a foto e aí tudo vem a tona.

Eu me lembro que era um corredor comprido, tinha duas filas de crianças a minha, dos grandes e a dela, dos pequenininhos. Ela me chamou a atenção no primeiro momento, sabe tipo filme, em camera lenta... pois é, prá mim, pelo menos foi desse jeito mesmo! Ela era linda, lourinha de olhos muito verdes, bem novinha, nunca esquecí esse momento. Eu passando prum lado rumo ao bebedouro e ela indo pro outro para a sua sala de aula.

Copacabana é demais! O ano era 1969, o colégio chamava-se Luluzinha e ficava numa das ladeiras da Rua Pompeu Loureiro. Eu me lembro que nessa época a minha mãe costumava me levar até a entrada do
Túnel Major Rubem Vaz e dalí eu seguia alegremente sozinho, menino grande, rumo a escola. Será que o que me movia já era essa menina? Daí também é querer ter muita memória e isso já perdí faz um tempão! Mas eu ia prá escola até que nós tiramos a foto, naquele dia nublado de 1969. É aquela foto da turma, todo mundo sentadinho, alguém segurando a tabuleta com o nome do colégio e a data do evento.

Passados quase 30 anos (ela vai me matar, hehehe) num belo dia, numa reunião de família alguém fala no Luluzinha e a mãe dela detona: "ela também estudou lá, eu tenho até a foto..." e vrum! Era a foto da turma dela, tirada no mesmo dia e ano, no mesmo colegio, no mesmo lugar, embaixo daquela árvore! Eramos os dois, juntos, parecia coisa de filme! Mas foi a mais perfeita realidade.

Estamos namorando desde 1984, mas já nos conhecíamos desde 1969 (pelo menos eu já sacava ela, hehehe), eu falo que eu sempre me lembrei dela, mas ela não acredita! Mas que eu amo muito a Inês, isso ninguém duvida!

Pros muito sortudos no amor, como eu, um ótimo dia dos namorados, e prá aqueles que ainda procuram um grande amor, uma dica: pega aquelas fotos e dá uma conferida, quem sabe naquela caixa esquecida dentro do armário, não está a sua namorada de toda vida, e você nem imaginava...

2007-06-12 08:11:53

Dona Maria Eudóxia e o PAN 2007

Dia desses encontrei com dona Maria Eudóxia, na fila da caixa do supermercado Zona Sul. Dona Eudóxia é uma católica fervorosa, carola assumida, e não perde a missa das 7h00 na Igreja de São Paulo Apóstolo. Mora num ótimo apartamento de 4 quartos da rua Leopoldo Miguez, sozinha há um ano, desde que perdeu o seu esposo de muitos anos, vítima de um câncer, que o levou em poucos meses.

Para manter o seu apartamento dona Eudóxia faz das tripas coração. Não é fácil pagar, com a pensão, o condomínio e o IPTU - dos mais altos da cidade -, e ainda sobrar uma grana pros remédios, pra comida e plano de saúde. Mas ela vai levando, cheia de fé.

Ia me dizendo a dona Eudóxia uma coisa que eu não sabia. Dizia ela:

- Seu Luiz, o senhor viu o que fez o nosso alcaide? Tirou os pivetes e as prostitutas da Atlântica. Tudo pro PAN 2007.

- Não notei, não. Que bom, né? Aumenta a segurança.

- Que bom nada... Ele empurrou todo mundo pra Leopoldo Miguez e pra Pompeu Loureiro.

Fiquei surpreso, mas nem tanto. Se a dona Eudóxia estava dizendo é porque devia ser verdade.

Resolvi dar uma volta pelo posto 5, no comecinho da noite, e que surpresa. Prostitutas faziam ponto na rua Pompeu Loureiro entre a Bolívar e a Barão de Ipanema. Cheio de coragem, mas sem levar nada de valor, entrei pela rua Constante Ramos e depois caminhei pela rua Leopoldo Miguez.

E não é que a dona Maria Eudóxia tinha razão? A rua Leopoldo Miguez estava cheia de mendigos, pivetes, moradores de rua em geral e várias rodas de jogatina de cartas, um verdadeiro bingo ao ar livre.

Fiquei triste. Sempre achei que a rua Leopoldo Miguez era uma das ruas mais lindas e arborizadas de Copacabana. É uma pena que caminhar por ela, hoje em dia, dê mais medo do que prazer.

Mas, motivado pela fé de dona Maria Eudóxia, tenho ainda a esperança que o nosso prefeito volte seus olhos para nosso esquecido bairro, com exceção da Avenida Atlântica, e nos ajude a equacionar este problema tão espinhoso.

LOZ - http://iabasse.blogspot.com/

2007-06-11 22:23:23

Olhai os lírios de Copacabana

Imagine o lugar mais decadente do mundo. Eu o chamo de Copacabana. Morei lá dos 19 aos 22 anos. Numa fase emergente da minha vida. Do K11 para a “Princesinha do Mar”. Não estou querendo contar vantagem nem provocar inveja, mas mudar de bairro assim, da noite para o dia, não é pra qualquer um. Graças à minha amiga de colegial, a Luciane. Sim, aquela tricolor doente.

Fizemos o segundo grau em um colégio tradicional em Nova Iguaçu. Lá nos encontramos carteira a carteira. Ficamos muito amigas nem sei como, pois éramos totalmente diferentes uma da outra. Devíamos ter algum talento para conviver com a diversidade. Nunca brigamos na vida. Estudamos três anos juntas e depois moramos mais três e nenhuma briguinha para contar aqui.

Acontecia uma coisa engraçada que só a Física Quântica explica: na horinha exata em que uma abria os olhos de manhã, a outra também abria. Era incrível isso. Nossos relógios biológicos eram totalmente sincronizados. Dizer que ficávamos menstruadas ao mesmo tempo nem precisa.

Prestes a completar 19 anos, meu sonho era morar sozinha. Um dia vem a Luciane dizendo que a mãe dela comprara um apartamento em Copacabana e que eu poderia morar com ela e com o irmão lá. Nos três. SOZINHOS. Sem pai, nem mãe.

Há sonhos que a gente nem precisa sonhar. Esse foi um deles. Aconteceu antes de eu imaginá-lo.

Então fomos para Copacabana, Posto 2, perto da Prado Junior (na época, rua do tráfico e da prostituição), num apartamentinho quarto e sala, onde o quarto era dividido por um armário. Lado das meninas e o outro do menino. Ainda bem que ficávamos do lado onde havia janela. Janela essa que dava para os fundos de outros prédios e pela qual eu gritava, segundo a Luciane me lembrou recentemente: “Quero pãooooo!!”

Eu e a Luciane compartilhávamos um meio de um quarto e sala. Ou seja, eu morava em um quarto de um quarto. O que mais tarde se tornou um terço de um meio de um quarto e sala, quando a Angélica veio morar com a gente. Luciane também me lembrou que um dia eu caí do triliche em cima da nossa amiga.

Sem contar com a Lílian que aparecia do nada. A “mansa”, como a chamávamos. Termo que aprendemos em nossas viagens para Ouro Preto e que significava uma pessoa folgada. Essa era a Lílian Mansa. Esvaziava a geladeira, mas preenchia aquele lar com sua energia positiva.

O apê ficava num primeiro andar, bem em cima de um supermercado, que volta e meia realizava reformas estruturais. Éramos obrigadas a acordar às 7 horas com martelo batendo na orelha. Aquele “cheirinho” básico de supermercado já fazia parte da família.

E, diante de tantas adversidades, eu e a Luciane nunca brigamos.

Nessa época eu estudava na ECO (Escola de Comunicação da UFRJ) e pegava o 121, Copacabana—Central. A vantagem era que eu saltava no segundo ponto logo após o túnel. Ou seja: mal entrara no veículo lotado, já desovava. Um luxo só. Grande vantagem de se morar em Copa.

Outra era a curta distância da nossa casa até a praia. Uma quadra. Sim, umazinha apenas. A desvantagem é que aquele trecho de areia, banhada com água refrescante, era freqüentado por hordas de argentinos. Eles tratavam a gente como “moças fáceis dando mole”. E isso para eles não era redundância. Difícil e dispendioso convencer os cucarachas que éramos moças de família.

Eu e Luciane passávamos batido pelas intempéries. Nos divertíamos, conhecíamos gente nova, Legião Urbana e desfrutávamos o início de nossas vidas. Aquela época maravilhosa e irreversível, quando a vida está começando e a temos todinha para errar.

Acho que por isso eu e Luciane nunca brigávamos. A gente olhava junta para frente. Não tínhamos tempo para picuinhas. E florescemos na decadência como os lírios no pântano.

Postado por Cristiana Soares em
BlogTalk, Conversas sobre comportamento, costumes, cultura e vida. Puxe a cadeira.

2007-06-11 19:09:52

em copacabana tudo é rei

para cada sorriso de criança, adulto, idoso ou canino, em dias onde o trânsito é vedado na faixa á beira mar, isto sim o que torna hoje copacana radiante, existe um chico-esperto travestido na luta pela sobrevivência a alugar ou vender, cadeirinhas, bicicletas, skates. aparelhos de ginásticas, sem falar, claro, já cedo, o próprio corpo. a lista é infindável. de memória é impossível guardar mas tampouco anoto: seja para não dar pinta de turista e aumentar minhas probabilidades de tomar uns safanões em troca da minha bolsa, seja para que alguém queira me vender caneta, envelope e sabe-se lá até remédio para a memória.
santa clara, figueiredo, toneleros, barata ribeiro, zigue-zagueio até a bolivar. e todos os cachorros que encontro nenhum tem o ar alegre d´antes. mal-estar dos apartamentos ou mal-estar da civilização carioca? chico desabafa sobre o infortúnio do que é ser carioca hoje, publicado por ocasião do lançamento do seu novo trabalho musical, que traz uma subúrbio com uma letra que corta a trilhos o caminho da central até depois da pavuna produzindo silvos.
eu que não saio de copacabana, mundinho quando muito expandido que vai, no máximo, as fronteiras do começo do leblon - a barra é apenas viagem de memória - ou aos arremêdos da glória - enquanto me pergunto se vou achar casa talvez em santa teresa ou, golpe de sorte, no bairro do peixoto - tenho a dizer que o subúrbio hoje é mesmo copacabana.
onde calçadão, pedras pretas e brancas estão mais sujas do que nunca, mesmo sem perder a majestade.
vai um polidor ai tio ?

Originalmente posted by celso muniz at 5:21 PM em http://misterwalk.blogspot.com/


2006-11-07 15:42:32

Copacabana e a cultura urbana carioca

Praia de Copacabana, a partir do Posto 6

Certa vez, numa entrevista, me perguntaram que livro eu levaria para uma ilha deserta. Respondi que jamais iria para uma ilha deserta (e nem para uma não tão deserta assim), a menos que fosse condenado a tanto; e como os condenados não têm muitos direitos, provavelmente eu não teria direito de levar livro algum. A pessoa que me entrevistou acabou optando por retirar esta pergunta da entrevista, ou por julgar que eu fora malcriado no meu depoimento ou, pior ainda, por considerar que a minha resposta era absurda, totalmente incompatível com a mentalidade predominante na sociedade contemporânea, que, de uma maneira geral, sonha com uma vida em pacatos paraísos ecológicos, distantes dos grandes centros urbanos. Ou seja, é como se eu houvesse esnobado o senso comum e dado um acintoso tapa na cara dos leitores da publicação onde a entrevista seria veiculada.

Seja como for, é fato que a vida num paraíso ecológico nunca me atraiu. Sou, essencialmente, um ser da cidade grande. Muito do que as pessoas afirmam abominar ou que, veladamente desprezam, me encanta sobremaneira: o movimento de pessoas nas calçadas, o ruído dos carros nas ruas, o comércio efervescente, os edifícios ostentando cada qual o seu estilo arquitetônico, enfim: tudo aquilo que compõe essa coisa maravilhosa chamada vida urbana. Nós brasileiros, somos um povo com muito pouco apreço pelas nossas cidades. Vivemos ainda com uma certa nostalgia romântica de um passado rudimentar, simplório, telúrico, meio selvagem. Para a maioria, morar numa cidade como o Rio de Janeiro ou São Paulo é um verdadeiro castigo. Para mim, ao contrário, é uma benção.

Esses pensamentos, volta e meia, me vêm à mente durante as minhas freqüentes andanças pelas ruas do Rio. O Rio é um lugar peculiar. Aqui, uma natureza tropical exuberante convive lado a lado com uma gigantesca, ruidosa e agitada selva urbana de concreto, vidro e automóveis. É, provavelmente, um dos poucos lugares do mundo onde tais extremos coexistem de maneira tão íntima. E se há um lugar do Rio onde essa simbiose é mais evidente, este lugar é, sem dúvida alguma, Copacabana.


Exemplos da arquitetura de Copacabana

Ultimamente, virou moda falar mal de Copacabana. É como se o bairro encarnasse tudo aquilo que pode haver de mais negativo e degradante numa cidade. Talvez pelo seu caráter fortemente urbano, Copacabana se oponha à idéia do paraíso distante e idílico, quase despovoado, onde pais devotados poderiam, enfim, criar seus filhos com liberdade e contato permanente com a natureza – árvores, micos, passarinhos, borboletas – dentro do conceito paradigmático de “qualidade de vida”. É verdade, reconheço, que o bairro cresceu demais. Reconheço também que muitos dos que reclamam da Copacabana atual, são egressos de décadas pretéritas. São pessoas que conheceram a paradisíaca e sofisticada Copacabana do pós-guerra e dos “anos dourados”, sem trânsito, criminalidade, mendicância e a deterioração das relações sociais (elementos que, é bom frisar, não são privilégios "copacabanenses"). No entanto, todas essas reservas e reclamações escondem, na verdade, uma característica que parece impregnada na alma carioca: a falta (ou a escassez) de cultura urbana.

Dois anos atrás, escrevi aqui no Digestivo Cultural, um artigo no qual falava do desprezo dos cariocas pela arquitetura do Rio. É algo que me incomoda, pois eu estou sempre descobrindo e redescobrindo aspectos belos, interessantíssimos e inusitados nas construções da cidade. Creio, no entanto, que o desprezo dos cariocas não é apenas pela arquitetura e sim pela cidade em si, quando descontextualizada da sua paisagem natural. É como se a cidade, com as suas ruas, avenidas, praças, casas, lojas e edifícios fosse não mais do que um “mal necessário” para se viver dentro de um ambiente minimamente civilizado, já que não dá para morar em árvores e se locomover de cipó. O Rio, sob esse ponto de vista, seria um lugar amado e valorizado pela metade: exalta-se a natureza, o mar, as montanhas, as lagoas, as florestas, etc. enquanto à urbe não são dirigidas mais do que palavras e sinais de menosprezo, desapreço e ojeriza. Caso o Rio não tivesse praias, ou montanhas, não tivesse nenhuma beleza natural, caso fosse apenas cidade, imagino que, muito provavelmente, seria um lugar odiado pelos seus habitantes.

A falta de cultura urbana é visível ao diagnosticarmos a relação que as pessoas têm com o espaço urbano. Tomemos o exemplo de Nova York. O que no Rio é desvalorizado e visto como sintomas de decadência – a forte urbanização, o frenesi das ruas, o dia-a-dia vibrante, as calçadas tomadas de gente, som e movimento – na notável metrópole norte-americana é enaltecido e encarado como parte fundamental e indissociável da alma da cidade. Os novaiorquinos gostam da sua cidade como ela é e participam ativamente da sua vida, desfrutando de tudo o que ela tem a oferecer. Poucas são as pessoas, creio, que vivem em Nova York, sonhando com o dia em que, finalmente, poderão se mudar para uma propriedade bucólica em Vermont, Long Island ou nas praias da Flórida. Em cidades como Paris, Londres e Madri se dá o mesmo. São locais, também, com grande cultura urbana e onde há uma completa integração dos moradores com o meio. Lá, enquanto todos querem viver o mais perto possível dos bairros centrais, aqui ocorre o inverso: as pessoas procuram, cada vez mais, áreas bastante afastadas do Centro para morar. Alguém que resida, por exemplo, no Recreio dos Bandeirantes, um dos novos bairros à beira-mar do Rio, e trabalhe no Centro, gasta no trajeto diário de ida e volta, no mínimo, uma hora; isso, naturalmente, se o trânsito estiver totalmente desimpedido. E é fato que, no horário comercial, ele quase nunca está.

Esquinas de Copacabana


Seria maravilhoso se o povo carioca pudesse curtir a cidade com o mesmo ardor que curte a natureza. Que pudesse andar pelas ruas e contemplar suas calçadas e construções com a mesma alegria de quando vai à praia ou passear nas Paineiras. Muita gente me acha louco (e elas não estão totalmente erradas), mas eu costumo dizer que um dos meus programas favoritos no Rio é andar pela cidade sem rumo, sem nem passar perto da orla. Minhas caminhadas por Copacabana, por exemplo, são sempre memoráveis. Ah, Copacabana! Como eu adoro Copacabana! Durante parte da minha vida, sobretudo na infância e princípio da adolescência eu considerava Copacabana o máximo de pujança e perfeição que uma cidade poderia almejar. Gosto de caminhar sem pressa sob as copas das árvores, apreciando os mosaicos de pedras portuguesas nas calçadas, as lojas, as fachadas dos prédios – muitos dos quais em estilos que vão do neoclássico ao art déco, passando pelos de nítida inspiração modernista –, suas entradas de mármore e portas de ferro forjado. Nasci, cresci e sempre morei em Copacabana e é como se cada esquina do bairro, para mim, tivesse alma própria. Passo pelas ruas e reconheço nelas pedaços da minha história, pedaços de mim que ficaram gravados nas calçadas e nos detalhes dos edifícios. A minha vida confunde-se com esse bairro. À praia não vou há quase vinte anos. Ela não me faz falta. O que me encanta em Copacabana é o seu lado urbano. Aliás, é o que me encanta em todo o Rio de Janeiro.

Isso não me impede, contudo, de enxergar e denunciar os inúmeros problemas que afligem Copacabana e o Rio. A violência, a falta de educação do povo, que maltrata e emporcalha as ruas, o abandono de certas áreas que poderiam receber mais atenção do poder público, a pobreza, o caos no trânsito... Problemas, no entanto, toda grande cidade tem, em maior ou menos grau. A deterioração de certas vias públicas de grande circulação de pessoas e veículos é algo natural e, de certo modo, inevitável numa metrópole. Se a avenida Atlântica de hoje não é a mesma de cinqüenta anos atrás, podemos afirmar o mesmo da avenue des Champs Elysées, que, segundo os próprios parisienses com os quais conversei, não é hoje mais do que uma sombra de um passado esplendoroso. A vida na cidade grande tem dessas coisas e quem, realmente, gosta de viver em uma, tem de aceitar certas contingências. O que muitos cariocas precisam é aprender a desfrutar o Rio na sua vertente metrópole tanto quanto desfrutam a sua vertente balneário. E Copacabana, uma vez sendo a síntese de ambas, tem muito a ensinar. Amar o bairro, aceitar seus defeitos e reconhecer suas inúmeras qualidades já seria um ótimo primeiro passo em direção a uma cultura urbana da qual o Rio, uma das maiores e mais vibrantes cidades do mundo, não pode prescindir.

Post Scriptum
Escrevi esse artigo embalado por músicas como "Copacabana", de Braguinha e Alberto Ribeiro, na voz de Dick Farney ("...Copacabana, princesinha do mar, Pelas manhãs tu és a vida a cantar..."), "Superbacana", de Caetano Veloso ("...O mundo em Copacabana, Tudo em Copacabana, Copacabana..."), "Copacabana", de Barry Manilow ("...At the Copa, Copacabana, Music and passion were always the fashion...") e "Mar de Copacabana", de Gilberto Gil ("...Muita gente quer Copacabana, Talvez leve uma semana pra chegar..."). Também ouvi "Do Leme ao Pontal", de Tim Maia ("...Do Leme ao Pontal, Não há nada igual..."). Afinal de contas, para se ir do Leme ao Pontal pela orla marítima, há que passar por Copacabana.


Luis Eduardo Matta

Rio de Janeiro, 13/6/2006
DigestivoCultural.com/

2006-09-21 16:32:00

Tathy conta sua estória ...

Olá moro em brasilia mas sempre vou ao rio. bem... não sei se vocês estarão ainda curiosos em saber da minha história depois que eu falar que sou uma garota de programa e, a minha história foi nessa avenida atlântica. tudo começou quando eu estava sentada em um restaurante e minha amiga disse que tinha alguem querendo sair com nós duas. pedí a conta... o último dinheiro que eu tinha naquela noite. paguei e saimos. não sei porque o gringo desistiu, fiquei brava... discuti com ela e falei que ela não servia nem pra arrumar um programa, emfim. voltamos para o restaurante, sem dinheiro, sentamos... e falei para minha amiga: vou pedir algo para beber e estou sem dinheiro, deus está comigo, pensei. ela foi dar uma volta e eu fiquei lá sozinha, quando um homem de 1,90 chegou a minha mesa e pendiu para sentar. foi uma loucura porque eu não sei nada de inglês e ele nem um pouco da lingua portuguesa. mas, nesta vida eu aprendi uma coisa: o que eles querem é universal e o que eu tenho que aprender é o básico: seu nome, meu nome, quanto e onde. o mais importante nós sabemos e nem precisamos de interprete. resolvemos, enfim, sair. ele pagou a conta e
saimos, levei,claro a minha amiga, coitada. ufa! estava sem dinheiro para pagar a conta. lembra? passamos a noite toda com ele. foi bom e ele pagou bem. bom... já passou sete meses e ele ainda se corresponde comigo. passei por momentos difícil e ele mim ajudou, não com dinheiro, mas com palavras de incentivo e garra. tem horas que uma palavra amiga é melhor que, qualquer dinheiro. e hoje sei que atraves da atlântica fiz uma amizade bonita. gente muito boa.

Depois conto mais...

Bjs Tathy

2006-09-01 19:27:28

Flanelinha

Voltando da pelada de quarta à noite na praia, ali na altura da Figueiredo Magalhães, tenta tirar toda a areia do corpo. Inútil, quando justamente é nas suas costas onde ficou mais sujo. Pensa que pouco importa, no sábado vai levar o carro para lavar mesmo, passa o aspirador portátil quando chegar em casa só para poder ir trabalhar amanhã sem cheiro de areia no corpo.
pedras
Caminha em direção ao carro, parado perto da Santa Clara, quase em frente aquele restaurante de turista que atende mal mas vem com pratos bem fartos, ideal para se dividir com mais dois, coisa que quase não acontece com ele, normalmente está sozinho ou só com os amigos que só fazem beber. Então voltava para o carro, ia já enfiando a chave na porta quando o guardador surge do nada cobrando a estadia. Era manco, usava muletas e tinha o rosto cansado mais da vida que da própria idade. Esperto que só cobrava aquilo que o pobre incauto já havia pago.
- O café! O café! Tomei conta aí.
- Amigo, vai me desculpar mas tu vai ter que cobrar do teu parceiro aí mais cedo.
- Dá uma força aí, chefia?
- Fala com teu parceiro, já acertei mais cedo.
- Pô, aí enfraquece...
- Comer minha mãe todo mundo quer, dar pro meu pai nem fodendo!
E sai calmamente sem remorso por não ter alimentado a mendigagem alheia, mesmo de um pobre mas esperto manco.

2006-03-16 02:50:00