A Eter

Não me lembro se já publicamos isso, mas achei agora durante a faxina anual da inbox e resolví publicar. O texto é do meu amigão jornalista Eduardo Leite, que anda meio sumido, e é uma homenagem aquele que foi um dos personagens mais marcantes da Copacabana de meados dos anos 1970!

A Éter

Éter
Eternamente
É ter na mente:

Que é possível estar
Presente,
ausente

Que é possível estar
Ausente,
presente

Éter- presente
Poesia displicente
Produção independente
Fantasmagoria diligente

Arte de quem sente
Que ter não é ser
Independente

Que a moléstia do presente
É se julgar presente
Pelo valor da moeda
Na conta corrente

Éter na mente
Que a mente
Mente
Quando a saudade
Sente
De quem
Ainda que ausente,
Está eternamente presente
Está éter na mente presente
É ternamente presente

E a lágrima não descente
Torna chorar a dor
Algo fútil
Pequeno
Indecente

Éter
Ternamente
Eternamente
Gigante
Na mente

Ainda que ausente
A presença
Pressente
Eterna
Gasosa
Permanente

Éter
Sem raivas
Sem mágoas
Sem dentes
Altivo e inocente

Mestre mudo
Mostra ao mundo
Que o amor não fica
Decadente
Não pode ser indecente
Com ou sem éter na mente

2009-01-06 12:52:28

O Elevador dos fundos

Sentiu o cheiro de lavanda suave, feminina, assim que abriu a porta da frente. Veio naquela lufada de ar que dá sempre quando entrava no hallzinho do elevador. Nossa, no elevador então...

Quem seria essa vizinha, porque com esse cheirinho delícia só podia ser vizinha e gostosa! E foi pro trabalho tomado por devaneios eróticos onde, entre outra situações, rolava aqueles amassos no elevador! Tipo "Dama do Lotação" saca? Deve ter no Youtube!

Na volta prá casa, já tinha esquecido da estória, sido absorvido pela rotina intensa do seu dia a dia de arquivista, sempre às voltas com caixas e números, e eram tantas caixas e tantos números que nem palpite pro jogo do bicho rolava mais. A fase de sonhar com aqueles corredores com caixas do chão até quase o teto já havia passado. Agora ele tomava um remedinho e dormia feito um neném!

E no outro dia ao abrir a porta veio o cheiro novamente, que delícia meu Deus! Quem seria essa criatura, tem que ser a maior gata, pensou ele ao apertar o botão do térreo. Se ele morava no sexto andar e eram só dois apartamentos por andar, naquele bloco, então restavam apenas mais oito apartamentos, oito chances de encontrar a musa!

- Seu Carlinhos, mudou gente nova prá aí?
- Mudou não senhor.

Mas algo tinha aparecido diferente, porra! Esse cheiro enebriava, deixava ele doido!

Ao final de uma semana disso resolveu se antecipar. Era um dia de sol forte naquela sexta-feira. Ele acordou por volta das seis horas, correu com sua rotina e abriu a porta de casa, hummm, ela ainda não havia passado, nada do perfume de lavanda suave... ficou de plantão... mas pouco tempo! Ouviu a porta do elevador batendo, um tchau abafado. O plano parecia ter dado certo já que na medida em que o elevador descia o cheirinho vinha junto! Era agora! Tocou o botão de descida do sexto andar, o elevador passou pelo oitavo, pelo sétimo e deu aquela meia freada que eles dão antes de parar no andar, ele não se aguentava, a porta pantográfica do elevador do edifício tombado do Lido foi se abrindo... ele abriu a porta e se deparou com aquela criatura, doce, suave e com quase 90 anos de idade.

O choque deve ter sido grande porque Dona Eulália olhou assustada e perguntou:

- Meu filho tá tudo bem?

Depois de um tempo calado, entrou no elevador tentou balbuciar palavras mas não dava.

Dona Eulália era a viúva do Doutor Silva, morava no 902 e ia para a aula de educação física prá terceira idade na praia, perfumadissima encontrar as amigas e o namorado um velhinho ex-combatente pelo visto ainda na ativa.

Nesse dia não conseguiu pensar em mais nada. Nesse dia nem o remedinho ajudou a dormir, mas terminou adormecendo. A partir desse dia só usou o elevador dos fundos.


2008-09-18 10:18:40

O Perdedor

Apesar da verosimilhança a estória é 100% fictícia!

Mesmo sem saber o que poderia acontecer, Luís Felipe resolveu ir.

Mesmo com a chuva que já alagava a Siqueira Campos. Sempre alaga a Siqueira! pensou.

- Ela era uma gata, deu condição, eu vou, ué!
- Mas Luís, tá chuvendo muito espera e fala com ela outro dia, meu filho...
- Eu hein! Depois vem outro e passa a frente!

E foi. Era água que não acabava mais. A previsão tinha falado que seria uma das maiores chuvas dos últimos anos, tormenta extra-tropical, efeito estufa, essas coisas.

Mas foi confiante, era só até a PJ, seria rapidinho.

Não é preciso dizer que a travessia da esquina da Siqueira com a Toneleros foi épica! Ali ele se deu conta da burrada que tinha feito!
Ele até chegou na marquise do hotel, mas e atravessar a rua... cada carro que passava fazia uma onda de uma água meio preta, meio cinza... mas ela era demais... sabe tipo moreninha do corpão violão? Muito gata... Andressa, olha só que nome! Tantos desejos... numa performance digna dos campeões olímpicos em apenas três pulos foi da marquise até... enfiar o pé num buraco antes do outro lado da rua. Sem contar o ônibus que lhe deu AQUELE banho!

Arrasado, derrotado, todo molhado e ainda por cima mancando voltou prá casa. Não era a primeira vez.

Sua mãe preparou-lhe aquele banho quentinho e quando ele saiu do banho um chá com limão e uma aspirina! Ah, as mães!

- Tá doendo muito o pé, meu filho?
- Tá doendo à beça!
- Vai passar... Mas eu falei, né? Se tivesse ficado em casa, se me escutasse, mas vocês nunca escutam, vocês são desse jeito, só porque tem 38 anos acha que já sabe tudo...

2008-09-16 16:40:16

Copacabana não, boa noite Vietnan!

Caetano cantou que o Haiti era aqui. Hoje eu posso afirmar sem nenhuma sombra de dúvida que Copacabana é o Vietnan!

Eu cresci perambulando de molecagens ali na Ladeira dos Tabajaras onde sempre, sempre tive muitos amigos. Em algum momento entre 1978 e 1980 as coisas começaram a mudar em Copacabana. O Movimento começou a ficar mais pesado, mais armado, mais violento.

As turmas das esquinas de Copacabana acompanharam o "desenvolvimento" social e também começaram a surgir meninos armados nas turmas. E como uma coisa leva a outra ontem mataram dois na Tabajaras, hoje feriram outro no Pavão e amanhã matam você, de bala perdida, na Barata Ribeiro ou na Siqueira Campos.

Copacabana o berço da Bossa Nova, bossa velha, bosso nova é pancadão de trilha sonora e AR-15 de melhor amigo, Funk é cultura, é a cara do Estado do Rio de Janeiro. Em que estado nos deixaram...

Mas, com toda certeza, você vai poder protestar! Claro que vai, domingo vão ter cruzes na praia, gente de preto na Atlântica e caixões descendo dos Morros!

Operações cirurgicamente orquestradas por maestros das pistolas, cujo resultado seja no subúrbio seja na Princesinha é sempre pré-determinado: mortos e feridos!

Ih, foi ele é?
Muito amigo meu, falava com ele sempre...
Antes ele do que eu!

E nessa quase primavera em Copacabana, a tarde vai caindo linda como em um cartão postal cuja foto foi tirada lá de cima do Morro, onde tem uma favela e onde ontem morreram dois!

Copacabana não, boa noite Vietnan!

2008-09-02 14:28:21

Sobrenatural de Almeida

Pela manhã, Almeida acordou bem tarde e fez exatamente as mesmas coisas que fazia todos os dias há muito tempo: foi ao banheiro, tomou um café com pão com manteiga e abriu o jornal do dia!

- Grande final, ora bolas.

Só se falava nisso em Copacabana. Nas janelas bandeiras, nas ruas pessoas vestidas com a camisa listrada, nos bares a certeza absoluta da vitória esmagadora.

Mas ele, acima de qualquer pessoa, que tinha sérias dúvidas da empolgação dos outros fanáticos, não acreditava mesmo.

- Eu duvido, isso sim!

Não era uma dúvida, era uma certeza. Ficou vendo televisão a tarde toda, os programas de entrevistas, o frisson, a encomenda do chope, a festa no Sambódromo, o gordo Cardiologista reconhecendo o próprio trabalho bem feito, o seu grande sucesso administrativo!

Trabalhando no Caju, ele passaria bem no meio do tumulto, como uma alma penada, uma alma perdida, mais um que passaria batido pelo templo do futebol. Até se lembrou de Nelson, seu irmão mais velho, que já tinha morrido e que também era um torcedor fanático, mas que acreditava no improvável, no sobrenatural!

E como foi difícil sair de Copacabana naquele início de noite... mas às 20:00 em ponto já estava batendo o ponto no cemitério.

Não viu nada do que se passou mergulhado que estava nos seus afazeres burocráticos de todos os dias, mas ouviu os gritos. Ah, isso ouviu! Uma, duas, três, quatro vezes e depois o silêncio.

O retumbante silêncio que se abateu. Por volta de uma e meia da manhã, pegou o seu caminho e voltou prá Copacabana, pensando no que teria acontecido na verdade.

Em Copacabana, nada.

As bandeiras já haviam sido recolhidas, as pessoas dormiam como se nada tivesse acontecido, vivendo o pesadelo da frustração.

Almeida chegou em casa, numa Cinco de Julho ainda mais silenciosa que o normal.

Nem lanchou. Foi direto da cama, com a certeza do dever cumprido, de não ter presenciado o inexplicável, não ser parte do surpreendente, de não ter nada a ver com isso tudo.

Almeida deitou e dormiu.

2008-07-03 11:24:13

PAREDES FINAS DEMAIS

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Patroa foi viajar com as crianças para o litoral, aproveitar este período de descanso da Justiça para relaxar, muito justo por sinal. Mais justo que isso foi a minha sogra ter ido junto, ficando somente eu e o gato, que a maioria aqui conhece pelo bichano gordo que divide o sofá da sala.

A empregada ficou, bem, pelo menos eu a vi pela manhã e quando cheguei em casa encontrei um monte de roupa no varal e comida no fogão, uma puta macarronada com tudo a que tem direito. E foi só. Antes isso que chegar em casa e encontrá-la com o safado do porteiro, outro que não vale nada e enche a porra do meu saco toda vez que nosso time vai jogar.

Ao contrário dos outros dias, consigo sair cedo do trabalho, sentindo até um sentimento de culpa por não conseguir fazer isso quando todos estão em casa. Sabendo que ia dividir a cama com a minha mão e o controle remoto peguei uns dois filmes na locadora, mas a julgar pela hora, com sorte chego na metade do primeiro.

Cerveja que tinha na geladeira acabou. O gato fica me rodeando mas não dou nem papo, porque comida tem, caminha quentinha só com a mamãe dele que está tomando uma puta de uma chuva na praia e ainda por cima ficou com um quarto com goteira. Não poderia ser pior. Ah, sim. Poderia,

ainda é terça, só volta sexta. Quer apostar quanto que só porque é o final de semana do de peladas da minha turma além do sol sair vai fazer um calor infernal?

A macarronada já era, aliás, estou no segundo prato. Nada pra fazer, não vou conseguir pagar minhas contas agora mesmo, deixo esta humilde mensagem com algumas constatações:

* Nada melhor do que cagar com a porta aberta, vento corrente e sem pressa;

* Meu apartamento produz muito eco, dá para ouvir o chuveiro pingando do corredor;

* Preciso abaixar o som dos meus jogos, principalmente depois de uma da manhã;

* Devia ter pegado um filme pornô, televisão aberta não acontece nem um peitinho;

* Lavar a louça para que? A empregada volta, não volta!??!?

* Ficar de cuecas na sala é o que há!

* Não tem ninguém para comprar coca cola para mim;

* O corredor é ótimo para andar de skate;

* Dá o maior eco quando se joga bombinha pela janela que dá para o estacionamento;

* Interfone toca todo dia mas não atendo;

* Alguém deixou a geladeira aberta, a única lata de cerveja ficou choca;

* Ninguém fica online no dia 2 de janeiro;

* Qualquer apartamento da Barata Ribeiro sofre de paredes finas.

Amanhã tem mais, vou dormir

porque ouvi sirenes na rua

e alguém batendo na porta.

Tomara que não seja comigo!

Texto publicado originalmente no blog

Morava em Copacabana

.

2008-06-25 14:23:56

O cheiro do éter

Vivi uma infância entorpecida pelo éter em Copacabana, para onde me mudei aos 7 anos, depois de sair da Ilha do Governador. O cheiro espalhava-se pelo Posto 5, no rastro de um grande homem andrajoso freqüentemente visto arrastando-se pela Barata Ribeiro. Ele rondava a famosa - e fechada - farmácia Piauí, quase na esquina de Constante Ramos, mas não sei se comprava o vidrinho do produto ali. Os conservadores moradores usavam aquela figura, se não me engano, chamava-se Eduardo, para afastar os filhos das drogas naqueles anos 70. Diziam ser ele um rico herdeiro que havia enlouquecido por causa de maconha, cocaína e ácido e que, agora, afastado da família abastada, pedia esmolas para comprar éter. Eu o vi várias vezes dando suas cafungadas no paninho embebido do líquido, mas nunca acreditei muito no papo da riqueza dele. Para mim, o mendigo era triste, muito triste, e isso só poderia se explicar por alguma desilusão romântica. Inventei uma história para o homem que por um tempo ocupou o lugar das minhas bonecas nas brincadeiras de desvarios. Ele não seria do bairro, mas teria ido à praia lá e encontrou uma 'cocota', por quem se apaixonou. A moça o esnobava, mas ele não ligava, só queria ficar perto dela. Nunca mais voltou para casa, vivendo da piedade alheia. O tempo passou, ela se casou com outro e mudou de lá. Alucinado de dor, o pobre passou a se anestesiar com éter. Fez voto de silêncio - realmente, nunca ouvi sua voz -, parou de tomar banho e fugiu do lugar-comum chamado realidade. Procurava seu amor contrariado sempre rondando quatro quarteirões. Em vão. Seu pé, inchado como seu fígado, sangrava, assim como seu peito. Um dia, Eduardo chorou muito, e as lágrimas cheiravam a éter. Ele, então, cobriu os olhos e o nariz com seu paninho sujo e ficou agonizando três dias assim. Depois disso, ninguém mais o viu. Eduardo sumiu. Virou folclore para os copacabanenses e marco de tristeza para mim.

Originalmente publicado por Ana Silvia Mineiro em Válvula de Escape

2008-04-27 18:31:29

Minha Copacabana

Copacabana, minha praia, minha casa, minha história....



O que dizer de Copacabana, quando se respira Copacabana, quando se vê Copacabana, quando Copacabana nos resume?



Poderia falar dos amigos, dos lugares, do visual, da brisa, das cervejas na Barata Ribeiro, da maresia na Vila; poderia falar dos meus filhos, dos passarinhos, dos micos, da mata, das bananas que minha mãe compra para dar a eles; podera falar de um amor que conheci na janela; poderia falar da mulher que me ensinou o amor, além da paixão e das primeiras visões, e que se mostra mais bela a cada dia; poderia falar da feira ou das laranjas que vêm de lá e acordam comigo todas manhãs, espremidas e geladinhas...



Poderia falar da luta de quem faz este site; poderia falar do Governador, que foi moleque conosco no Morrinho; poderia falar da minha avô Ana, que não faltava às missas de domingo na Igreja de Nossa Senhora de Copacabana; poderia falar do Padre Walter; poderia falar do meu pai que já não mora aqui; poderia falar das turmas, dos tempos e dimensões...



Mas todas as palavras não seriam suficientes para expressar o que sinto e o que Copacabana significa, penso eu, pra, mim, para as pessoas e para o mundo...



O que posso e preciso fazer é te oferecer esta sincera homenagem: Copacabana, meu planeta, minha nave...



Marco Evandro


2008-01-30 09:10:31

Beija-Flor em Copacabana

Beija-Flor desfila em Copacabana



Sampa é uma cidade dez: bons restaurantes, shows de primeira... Mas você tem que ter bala na agulha. No Rio, se estiver de caixa baixa, você vai pra praia, vai passear (ou desfilar) no calçadão. Aqui sempre pinta uma surpresa. Pode ser um súbito temporal em plena tarde de sábado, expulsando a galera da praia, fazendo voar guarda-sóis... Pode ser um ensaio técnico da Beija-Flor em plena Avenida Atlântica, O meu valor me faz brilhar, Iluminar o meu estado de amor, Comunidade impõe respeito, Bate no peito eu sou Beija-Flor. Pois é: ontem, dia de São Sebastião, só não desfilou atrás da escola nilopolitana quem já morreu. As fotos não deixam mentir. Mas como eu ia dizendo, Sampa...



Beija-Flor em Copacabana

Beija-Flor em Copacabana
Beija-Flor em Copacabana

Samba de enredo da Beija-Flor para 2008:

Macapaba: equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo

O meu valor me faz brilhar
Iluminar o meu estado de amor
Comunidade impõe respeito
Bate no peito eu sou Beija-Flor

É manhã, brilho de fogo sob o sol do novo dia
Meu talismã, a minha fonte de energia
Oh deusa do meu samba, a flor de Macapá
No manto azul da fantasia
Me faz mais forte, extremo norte
A luz solar ilumina meu interior
Vou viajar na linha do Equador
Emana ao meio do mundo a beleza
A força da mãe natureza é Macapaba
O rio beijando o marEncontro das águas marejando o meu olhar

Quem foi meu Deus que fez do barro poema
Quem fez meu criador se orgulhar
Os Cunanis, Alistés, Maracás
Foram dez, foram mais pelo Amapá

Um dia navegando nos rios de Tupan
A viagem fantasia dos filhos de Canaã
A mágica da terra a cobiça atraiu
Ibéria se enleva no Brasil
A mão de Ianejar na fortaleza pela proteção da vida
Em São José de Macapá
Brilha Mairi a minha estrela preferida
Herança moura em Mazagão
Retiro o meu chapéu de bamba e assim
O Marabaixo ao marco zero cai no samba
Soam tambores no tocar do tamborim

(Autoria de Cláudio Russo, Carlinhos Detran, J. Veloso, Gilson Dr., Kid e Marquinhos)

Texto e Fotos do Ivo Korytowski - ivokory@gmail.com - em http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/2008/01/beija-flor-em-copacabana.html

2008-01-28 09:10:47

Ufanamente Copacabana

Faz pouco tempo que retornei ao Rio, após uma fria temporada nos pagos meridionais do Brasil. E de volta à terra abençoada por Deus e bonita por natureza, não podia cair em lugar melhor do que este, o meu planeta Copacabana. Assim inauguramos o Meia Sinapse: com uma pequena e já saudosa louvação deste bairro singular. Claro que faltam os bares, restaurantes e outros cantinhos menos ou mais famosos do cenário, lugares dos nossos amores, causos e reminiscências. Fica pra próxima!

Be my guest…

Na conhecida faixa de terra de quase um quilometro de largura e mais de quatro de extensão, espremida entre o mar e a montanha, existem apenas setenta e oito ruas, cinco avenidas, seis travessas, três ladeiras e seis acessos viários. Muitas são as maneiras de se olhar Copacabana. Nessa multiplicidade de ângulos, talvez o melhor para desenhar os seus contornos seja o da sua gente. Aqui estão cerca de 200 mil moradores, boa parte dos quais acompanharam as transformações das últimas décadas: são as pessoas com mais de 60 anos – cerca de 25% da população aqui, bem mais do que a média nacional, que não passa de 10% - que formam o saudoso grupo da terceira idade. No outro extremo, mas disputando a mesma praia está a a galera jovem, também muito numerosa na área.

Na geografia humana de Copacabana a imagem da “cidade partida”, apropriada para descrever o espaço social do Rio de Janeiro e do próprio Brasil, ganha nuances de contraste. Praticamente toda a limitada área do bairro está ocupada. A maioria das pessoas espalham-se pelos milhares de edifícios residenciais, desde os suntuosos e históricos prédios à beira-mar até outros mais simples, em cantos mais modestos do bairro. Parte da população concentra-se nos morros, em seis comunidades: Babilônia, Chapéu Mangueira, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Tabajaras e Cabritos. Mesmo o espaço público possui sua população flutuante de adultos e crianças.

Mas existe no bairro uma outra multidão, há ainda, mais lutas, movimento e barulho. A população praticamente duplica todos os dias, gente dos quatro cantos do Rio que passa ou faz a mini-cidade funcionar. Aqui buscam seu sustento e para cá trazem e deixam um pouquinho de si em trabalho e cultura. E a “jovem senhora” demonstra sua gratidão, acolhendo a todos sem distinção de classe, credo, etnia ou sexo, tornando-se informalmente uma espécie de “capital espiritual do Rio”.

Também vale lembrar que não é apenas o Rio de Janeiro que está em Copacabana: o mundo todo encontra aqui o seu espaço. Dos cerca de 25 mil apartamentos da rede hoteleira da cidade, nada menos que dois terços estão no bairro. A maioria dos visitantes prefere um hotel simples na princesinha do mar, do que um cinco estrelas na Barra. Andar pelo calçadão da avenida Atlântica no verão dá esta dimensão transcultural, já que em poucos outros lugares ouvem-se tantos sotaques e línguas diferentes lado a lado.

Na convergência de todas estas diferenças, torna-se cada vez mais difícil definir Copa de maneira unívoca. Se cada bairro tem sua característica peculiar, no imaginário sobre a Cidade Maravilhosa apenas Copacabana tem a capacidade de reuni-las todas, no exótico contorno de suas pessoas, ruas, montanhas, praia, histórias e história.

Ah! Sua história… Um dos lugares mais cosmopolitas do Rio, a visão atual de Sacopenapan, “aves de pernas grandes” num dialeto indígena – deixaria estupefatos seus antigos moradores Tamoios. O cenário mudou radicalmente desde aquele tempo: desapareceu a pedreira do Inhangá, que separava as praias do Leme e de Copacabana, ergueu-se a muralha de edifícios defronte à orla - onde estão alguns dos primeiros e principais expoentes do art déco no Brasil.

Do mar das lendas e tradições, emerge uma interessante história sobre o nome do bairro. Nos altiplanos andinos, às margens do Lago Titicaca, há uma península, outrora chamada na língua quéchua por Qopaq hawana, “mirante do azul”, donde se tem a linda vista da fusão entre o céu e o seu reflexo no lago. Com a dominação espanhola, logo o lugar tornou-se ponto da devoção católica de Nossa Senhora de Copacabana. Ainda no século XVI, comerciantes espanhóis trouxeram para o Rio de Janeiro objetos religiosos ligados à santa boliviana e ao final do século XVII, a igrejinha construída onde hoje se localiza o Forte de Copacabana, já era bem conhecida de romeiros e viajantes.

Área de difícil acesso, incrustada entre altas e verdes montanhas, Copacabana permaneceu praticamente isolada do centro do Rio, até o final do século XIX. Além do Forte do Leme e de algumas poucas chácaras e sítios, onde se refugiavam em veraneio os mais abastados da capital, dentre eles o próprio Dom Pedro II, apenas uma restrita população de pescadores habitava o local.

O difícil acesso foi superado em 1892, quando a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, mais tarde comprada pela Light, abriu um túnel através do Morro de Vila Rica, estendendo sua linha de bondes de Botafogo para Copacabana até onde hoje se localiza a Praça Serzedelo Correia. No dia 06 de julho de 1892 foi inaugurado o Túnel Real Grandeza (nosso Túnel Velho, chamado oficialmente hoje de Alaor Prata), em cerimônia prestigiada pelo Mal. Floriano Peixoto, então Vice-Presidente da República, data que se tornou uma referência para o aniversário do bairro.

Logo que a linha do bonde ampliou-se em direção ao forte do Leme e à igrejinha (o Forte de Copacabana seria construído apenas em 1914), abriu-se o caminho para o surgimento de ruas e a proliferação de loteamentos. No início do século XX, sob a gestão de Pereira Passos, foi aberto o Túnel do Leme. No mesmo ano de 1906, foi inaugurada a avenida Atlântica, que com as ondas de seu calçamento-mosaico de pedras portuguesas se tornaria o símbolo maior do bairro e da própria cidade.

Em 1922, ano em que acontecia em São Paulo a Semana de Arte Moderna, ocorreu o episódio conhecido como a Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana. Militares contrários às oligarquias da velha república, rebelaram-se no Forte, e depois de frustradas negociações e a desistência da maioria dos participantes, restaram amotinados apenas dezessete militares e um civil, dos quais dezesseis foram mortos na praia. Os Dezoito do Forte tornaram-se símbolos da resistência à velha ordem e da luta pela modernização do país.

Ainda na década de vinte, foi inaugurado o Hotel Copacabana Palace, trazendo para o bairro festivos bailes e personalidades internacionais. A partir dessa época, a elite urbana do Brasil composta por intelectuais, artistas e estrangeiros instalou-se no bairro e as casas passaram a dar lugar a grandes edifícios, tornando a paisagem símbolo de prosperidade e modernidade. Hoje restam pouquíssimas casas, verdadeiros memoriais dessa época que já passou. Paralelamente, já marcando a vocação do bairro à diversidade e contrastes, a ausência de políticas habitacionais apontando o abismo social crescente do país, consolidou-se a favela no cenário de Copa com o início da ocupação dos morros do Leme e Tabajara.

Nos anos 40 e 50, Copacabana concentrava grande parte da vida cultural e noturna da cidade, fermento donde surgiram os primeiros acordes da bossa-nova. Junto a isto, a infra-estrutura, a ampla rede de serviços e a invejável orla de areias claras fazem do Rio de Janeiro, sonho de consumo mundo afora. A população jovem dos prédios formava as famosas “turmas”, ainda hoje lembradas com nostalgia e carinho pelos moradores mais antigos.

Copacabana caracteriza-se pela rapidez de seu crescimento e de sua interminável reconstrução. A partir dos anos 60, o bairro famoso passou a atrair cada vez mais gente, em busca do status que conferia. O desenvolvimento rápido e desordenado levou Copacabana a tornar-se uma espécie de segundo centro da cidade, lugar de circulação diária de milhares de pessoas.

As transformações e os contrastes fazem do bairro uma enorme síntese estético-social do país: o melhor e o pior, o feliz e o triste, o feio e o belo, o rico e o pobre, juntos lado a lado, numa incessante dialética de confronto e troca. Aqui se formou um gigantesco espelho onde nossa gente vê um pouco melhor o próprio rosto e silhueta, neste lugar onde o Brasil é mais brasileiro.

~ by Marcio Anhelli on November 9, 2007.

2008-01-14 18:17:29