Sobrenatural de Almeida

Pela manhã, Almeida acordou bem tarde e fez exatamente as mesmas coisas que fazia todos os dias há muito tempo: foi ao banheiro, tomou um café com pão com manteiga e abriu o jornal do dia!

- Grande final, ora bolas.

Só se falava nisso em Copacabana. Nas janelas bandeiras, nas ruas pessoas vestidas com a camisa listrada, nos bares a certeza absoluta da vitória esmagadora.

Mas ele, acima de qualquer pessoa, que tinha sérias dúvidas da empolgação dos outros fanáticos, não acreditava mesmo.

- Eu duvido, isso sim!

Não era uma dúvida, era uma certeza. Ficou vendo televisão a tarde toda, os programas de entrevistas, o frisson, a encomenda do chope, a festa no Sambódromo, o gordo Cardiologista reconhecendo o próprio trabalho bem feito, o seu grande sucesso administrativo!

Trabalhando no Caju, ele passaria bem no meio do tumulto, como uma alma penada, uma alma perdida, mais um que passaria batido pelo templo do futebol. Até se lembrou de Nelson, seu irmão mais velho, que já tinha morrido e que também era um torcedor fanático, mas que acreditava no improvável, no sobrenatural!

E como foi difícil sair de Copacabana naquele início de noite... mas às 20:00 em ponto já estava batendo o ponto no cemitério.

Não viu nada do que se passou mergulhado que estava nos seus afazeres burocráticos de todos os dias, mas ouviu os gritos. Ah, isso ouviu! Uma, duas, três, quatro vezes e depois o silêncio.

O retumbante silêncio que se abateu. Por volta de uma e meia da manhã, pegou o seu caminho e voltou prá Copacabana, pensando no que teria acontecido na verdade.

Em Copacabana, nada.

As bandeiras já haviam sido recolhidas, as pessoas dormiam como se nada tivesse acontecido, vivendo o pesadelo da frustração.

Almeida chegou em casa, numa Cinco de Julho ainda mais silenciosa que o normal.

Nem lanchou. Foi direto da cama, com a certeza do dever cumprido, de não ter presenciado o inexplicável, não ser parte do surpreendente, de não ter nada a ver com isso tudo.

Almeida deitou e dormiu.

2008-07-03 11:24:13