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A caminhada do General

- Quando eu tinha a sua idade todo mundo me dizia que eu era a cópia do Victor Mature! - dizia o General reformado Augusto Siqueira Neto, enquanto, orgulhoso, estufava o peito.

Realmente, do alto dos seus 68 anos, forte, espadaúdo e bronzeado como um surfista havaiano, o general tinha boas razões para se orgulhar de sua saúde, obtida às custas de muita disciplina, que incluía uma dieta restrita, 1.000 abdominais diárias e uma caminhada de 8 km pelo calçadão da avenida Atlântica, todos os dias, - "Mesmo que chova canivete." - dizia o general.

Embora ele negasse, todos os amigos afirmam que ele só mora na rua Siqueira Campos, porque considera que ela é a rua dos "Siqueiras".

- Veja o senhor, Dr. Luiz, a que ponto nós chegamos. - falava o general para este ouvinte ofegante, que tentava acompanhá-lo, em seu périplo, às 7h00 da matina, de uma fria e nevoenta manhã de outono - Ontem no Mundial (o Supermercado Mundial), aquele camarada do alto-falante avisava aos clientes para que colocassem suas bolsas sobre as barrigas, por causa dos furtos que estavam acontecendo. Que vergonha, isto é um absurdo! - O general ficava vermelho e as veias da cabeça saltavam enquanto falava. Quem era eu de contrariar.

- É sim, general. É um absurdo - concordava eu, com um meneio de cabeça.

E continuou: - "Olha, Dr. Luiz, eu não gostava do Lacerda, era um chato, um verdadeiro corvo, mas fez um bom trabalho com os comunistas e com os desgraçados de Copacabana".

- Mas como assim, General? Falam até que mandou afogar mendigos e...

- Boatos! Boatos! Nunca se provou nada disso! - os olhos irritados do general não deixavam margem a dúvidas, o Lacerda era bom demais.

- É verdade, general.

- Eu sei, eu sei. - e prosseguia - No governo do Lacerda a gente podia andar na rua, não tinha pivete, nem mendigo, nem este monte de postitutas no calçadão. Eles eram recolhidos, os menosres iam para o SAM onde tinham casa, comida e educação. Os marginais, ora, prá onde que tinham que ir? Iam pro xilindró mesmo, cana dura, que é o lugar deles.

E continuava o general: - Todo mundo fala mal, também, do governo militar, mas naquele tempo não tinha essa bagunça não. Lugar de pivete, ladrão, traficante e comunista era na cadeia.

É general, mas tinham as torturas... - tentava ponderar.

- Exagêro. Todo mundo sabe disso, ora, Dr. Luiz. - prosseguia o general - Que a tortura existiu, todo mundo sabe. Mas eu quero saber é o seguinte: como se tira informações de um criminoso? O senhor acha que é oferecendo flores e bombons?

- Não general, só não acho certo a tortura. Cadeia, vá lá, mas só depois de julgado e condenado. Tenho muito medo da justiça feita por quem não é capacitado para tal - ponderei com o general.

- Concordo, Dr. Luiz, mas o que o senhor pensa do Fernandinho Beira-Mar? E do Elias Maluco? Ah, se estivessem na minha mão... Já tinham passado o nome, telefone e o endereço, com CEP, de todos estes malditos traficantes. E esses maconheiros, filhinhos de mamãe? Tinha era que prender todo mundo. Queria ver se o crime não diminuía...

- É general. Pontos de vista, né?

Nesta altura um ventinho frio começou a bater lá na altura da rua Miguel Lemos.

- Pô general, tá frio até prá pinguim.Acho que vou voltar.

- Ah, vocês jovens precisam de um treinamento, estão muito fracos.

- Bem general, obrigado pelo "jovem", mas vou ter que voltar. Até amanhã! - me despedí com um aceno rápido.

- Até amanhã, senhor Luiz, mande lembranças prá sua senhora.

E, aos poucos, o nevoeiro foi engolindo o general e os seus ideais de ordem e justiça.

2007-06-25 14:31:19