Relatório do inquérito policial militar (IPM) (set. 1954)

ATENTADO DA RUA TONELEIROS
 Relatório do inquérito policial militar (IPM) (set. 1954)
 Do Cel.-Av. João Adil Oliveira, Encarregado do Inquérito Policial
 Militar


Ao: Exmo Sr. Ministro da Aeronáutica


Assunto: Remessa de autos do IPM - Faz


Anexo: 1 (um) IPM em quatro volumes.


1) Tendo sido encarregado do Inquérito Policial Militar, aberto
em virtude da possibilidade da existência de crime militar no
atentado da Rua Toneleros, no qual perdeu a vida o Major-Aviador
Rubem Florentino Vaz, designação esta feita em portaria de 12 de
agosto p.p. (fl. 4), pelo então Ministro da Aeronáutica,
iniciamos no mesmo dia os trabalhos de investigação, a fim de
apurar os fatos delituosos.


Nesse sentido de apuração dos fatos, avançamos consideravelmente,
conseguindo atingir quase a etapa final.


Entretanto, já nas derradeiras investigações, chegamos a uma
situação de incompatibilidade hierárquica para o prosseguimento
do inquérito, em face do que estabelece o Código da Justiça
Militar, no § 1o do artigo 115 (fl. 408). Assim, impossibilitado
de prosseguir nas investigações para o total esclarecimento do
caso, remetemos o IPM a V. Exa, para os devidos fins.


Dada a natureza especial deste IPM, entendemos que é de nosso
dever, no momento em que enviamos os autos a V. Exa, formular uma
articulada exposição dos fatos em que deram origem, historiando a
atuação que tivemos no processo e fixando conclusões parciais dos
trabalhos de investigações de que fomos encarregados. Com isso
procuramos contribuir para uma exata interpretação das provas e
informações coligidas e para o desenvolvimento de diligências
complementares daquelas que encetamos.


2) Nas primeiras horas do dia 5-8-54, a Rua Toneleros, no bairro
de Copacabana, foi teatro de um bárbaro atentado, onde perdeu a
vida o Major-Aviador Rubem Florentino Vaz e foram feridos o
jornalista Carlos Lacerda e o guarda municipal Sávio Romero.
Quando, em frente ao edifício no 180 da Rua Toneleros, se
despediam, após ligeira palestra, no final de uma viagem de
automóvel, o Major-Aviador Rubem Florentino Vaz, o jornalista
Carlos Lacerda e o seu filho menor Sérgio, foram eles
inopinadamente atacados a tiros por um desconhecido, que logrou
atingir mortalmente o major e em um pé o referido jornalista, o
qual, reagindo à bala, provocou a fuga do agressor (fls. 470 e
472). Este teve a sua retirada interceptada pelo guarda Sávio
Romero, que, armado de revólver, procurou evitar sua fuga e
contra ele disparou sua arma. Ferindo o guarda, conseguiu o
malfeitor fugir. O policial ainda atirou contra o automóvel que o
criminoso utilizou para a evasão e tomou seu número, fato que
contribuiu para que, hora depois, o motorista do auto se
entregasse à prisão (fls. 281 a 284).


3) A natureza do crime exigiu que fossem de imediato apuradas sua
causa e finalidade. A polícia, momentos após o atentado,
praticado quase na porta da delegacia do 2o Distrito Policial,
deu início a um inquérito, que, depois da apresentação do
motorista do automóvel usado para a execução do crime, ficou
"praticamente" paralisado, aumentando então as razões que
exigiram a instauração do IPM.


A portaria do então Sr. Ministro da Aeronáutica (fl. 4), usando
das atribuições que lhe confere o artigo 115 do Código da Justiça
Militar, declina "a possibilidade da existência de crime
militar", e estabelece, com isso, os fundamentos da instalação do
IPM.


Com efeito, se assistia ao Sr. Ministro da Aeronáutica o direito
de ordenar a abertura de um inquérito policial militar, era
também de seu dever assim proceder, pois se tratava de um crime
de homicídio na pessoa de um major da Aeronáutica, praticado em
circunstâncias inteiramente desconhecidas.


Por outro lado, no local do crime, foi desde logo notificado que
o criminoso se havia utilizado de armamento de uso privativo das
Forças Armadas, fato que também dava lugar à presunção da
participação de um militar na execução do delito (fls. 529 a
533).


Como oficial da Aeronáutica, designado para acompanhar as
diligências encetadas, logo após o atentado, cumprimos o dever de
sugerir, mediante parte, a instauração de inquérito policial
militar, para o fim de apurar a possibilidade da ocorrência de
crime militar.


4) A opinião pública, naturalmente sensível ao crime, reagiu
alarmada pelas características de brutalidade e traição
demonstradas na execução do atentado. A covarde eliminação de um
jovem oficial, desarmado e indefeso, e a tentativa de fuzilamento
de civis, em evidentes condições de concerto e surpresa,
produziram na Aeronáutica um movimento de intensa indignação. Com
esses sentimentos se solidarizaram o Exército e a Marinha
unânimes, na condenação do selvagem atentado, que reforçava a
generalizada sensação da existência de um ambiente de insegurança
em todo o País, já que fatos dessa natureza ocorriam até mesmo na
Capital da República.


5) Acompanhamos as investigações da Polícia Civil desde o seu
início. O inquérito policial foi presidido pelo delegado do 2o
Distrito Policial, Dr. Jorge Luís Pastor de Oliveira, e foram
designados para assisti-lo o encarregado deste IPM, como
representante da Aeronáutica, corporação à qual pertencia o Major
Vaz e o Dr. João Baptista Cordeiro Guerra, Promotor Público, como
representante do Ministério Público Civil.


A portaria já assinalada à fl. 4, de S. Exa o então Ministro da
Aeronáutica, na qual se determinava a abertura do IPM, e se fez a
designação do nosso nome para encarregado do mesmo, foi assinada
cerca de zero (0) hora do dia 12 de agosto último. Desse mesmo
momento iniciamos nosso trabalho, que teve a assistência do
Promotor Nelson Barbosa Sampaio, como representante do Ministério
Público Militar.


A rapidez com que entramos em ação fez desaparecerem as causas de
malogro das anteriores diligências policiais, já verificadas na
captura de José Antônio Soares, que nos escapou por trinta
minutos, justamente o tempo que a patrulha da Aeronáutica esperou
por um elemento da Polícia Civil que devia acompanhá-la a fim de
"investi-la" de autoridade policial.


Tomaram então as diligências vigoroso impulso, sendo magníficos
os seus primeiros resultados. Já às cinco horas do dia 13, quer
dizer (29) vinte e nove horas após a abertura do IPM, capturamos
o pistoleiro Alcino João do Nascimento e nesta mesma manhã do dia
13 obtivemos sua confissão total, com a indicação precisa de
outros participantes do atentado (fls. 35 e 44).


6) Parece-nos conveniente salientar, desde já, que, com a
apresentação voluntária do motorista Nelson Raymundo de Sousa, na
manhã do dia 5 (cinco), começou-se a ligar ao atentado, por
associação de idéias, pessoal que servia no Palácio do Catete,
pois se verificou que esse motorista "fazia ponto" na esquina das
Ruas Silveira Martins e do Catete, quer dizer, em frente ao
Palácio do Catete, e, ainda mais, servia habitualmente aos homens
da então extinta Guarda Pessoal do falecido Senhor Presidente da
República.


Realmente, após sua prisão, Nelson Raymundo de Sousa confessou
que havia transportado ao local do atentado o guarda pessoal
Climério Euribes de Almeida, a serviço do Palácio do Catete.
Dessa confissão resultou o indício de que a Guarda Pessoal do Sr.
Presidente da República de então estava envolvida no atentado.
Firmou-se mais essa convicção logo depois da confissão do
pistoleiro Alcino João do Nascimento, que também indicou Climério
Euribes de Almeida como participante do delito (fls. 35 a 44).


Fixados certos pontos ou condições de imagem geométrica, será
fácil chegar à equação algébrica do "lugar geométrico". Foi o que
aconteceu, no caso, com os primeiros resultados colhidos e com os
que se seguiram logo após, permitindo o delineamento seguro do
rumo a dar às investigações. A orientação que os fatos forneciam
indicava sempre, como uma constante o Palácio do Catete. E houve
mesmo circunstâncias curiosas no prosseguimento das diligências,
quando aparentemente éramos desviados desse rumo e os fatos,
abruptamente, nos arrastavam ainda ao mesmo lugar, Palácio do
Catete. Para citar um exemplo, lembramos o caso do Deputado Dr.
Euvaldo Lodi, seriamente envolvido no caso e aparentemente sem
ligação com o Palácio do Catete (fls. 258 a 259, 267 a 268 e 303
a 306). As investigações prosseguiram, e chegou-se à prova de que
esse deputado fez sua trama dentro do Palácio do Catete, no
quarto do próprio chefe da Guarda Pessoal do então Presidente da
República, e, ainda mais, o que é de estarrecer, estipendiava a
referida guarda. Em suma, nunca mais conseguiu o IPM afastar-se
do palácio do Governo, onde o crime foi estimulado, planejado e
resolvido. Chegou-se mesmo a uma constatação surpreendente: das
pessoas envolvidas no episódio delituoso, a que estava mais
afastada do Catete era o motorista Nelson, que tinha seu "ponto"
a cerca de cinqüenta metros do portão principal do mencionado
Palácio ou eram seus freqüentadores habituais, e, seja como for,
utilizavam a residência do primeiro magistrado da Nação como
"base de operações".


Mesmo os familiares do ex-presidente da República foram
envolvidos nas investigações e chegou-se à surpreendente
verificação de que havia entre eles um culpado confesso "de
favorecimento pessoal" (art. do CPM), seu irmão Benjamin
Dornelles Vargas. (fl. 414 dos autos).


7) Cumpre-nos assinalar, a esse propósito, que, até a presente
data, os indiciados ouvidos acabaram confessando sua participação
integral no delito. Apenas o Deputado Euvaldo Lodi se apega a uma
grosseira distorção no sentido de vocábulos para procurar fugir à
responsabilidade que lhe cabe (fls. 269 a 272). Esse parlamentar
não teve porém nenhum receio de enfrentar o IPM logo que
solicitamos seu depoimento, assegurando plena ressalva de suas
imunidades, como fizemos em relação ao Deputado Danton Coelho,
outro indiciado como mandante, que se recusou a depor.


8) Militares dedicados às nossas específicas tarefas
profissionais, logo que incumbidos do IPM tivemos inicialmente de
organizar um verdadeiro aparelho policial, inexistente na
Aeronáutica, a fim de procurar desvendar um crime que se
apresentava aos olhos da Nação como envolto em denso mistério.


Justo é, pois, ressaltar, nessa matéria, a colaboração eficiente
que nos foi prestada pela Diretoria de Rotas Aéreas, onde sua
equipe de inteligentes e dedicados oficiais resolveu dar ao
encarregado do IPM todo o apoio, nos múltiplos e difíceis
encargos da elucidação do crime em que foi imolado um de seus
camaradas.


Seria, entretanto, injustiça de nossa parte se não registrássemos
que, na apuração da verdade, contamos também com a inesquecível
colaboração dos nossos camaradas do Exército e da Marinha, todos
prontos, em todos os seus setores, a trazer-nos, como trouxeram,
inteiro apoio para o completo esclarecimento do crime e para a
indicação dos culpados à Justiça. A mesma colaboração recebemos
de outros colegas da Aeronáutica, como também de elementos civis,
todos desejosos de trazerem qualquer esclarecimento que pudesse,
fosse como fosse, elucidar um crime praticado em plena Capital da
República, ferindo a dignidade de um povo culto e civilizado.


9) A seguir faremos um confronto dos diferentes depoimentos e com
isso deixaremos demonstrado, de forma indiscutível, que todas as
acusações se acham devidamente comprovadas. Foi uma denúncia
espontânea de Manuel Joaquim do Nascimento, levado à Diretoria de
Rotas Aéreas (fls. 85 a 88), que provocou a prisão de Abigail
Rabello, mulher de Alcino João do Nascimento, a qual confessou de
modo convincente (fls. 22 a 26) a participação de Alcino no
atentado. Em conseqüência desse depoimento, foi determinada a
captura de Alcino, que se efetuou na madrugada de 13 de agosto,
pelo Primeiro-Sargento Elias de Carvalho Guedes (fls. 65 a 67).
Ouvido Alcino, no decorrer do dia 13, confessou sem dificuldade a
autoria dos disparos que vitimaram o Major-Aviador Rubem
Florentino Vaz e feriram o jornalista Carlos Lacerda e o guarda
municipal Sávio Romero (fls. 35 a 44). Em sua confissão,
esclareceu o pistoleiro que sua interferência no atentado foi
provocada por indicação de José Antônio Soares, com quem já havia
cooperado no assassínio, por engano, de Walter de Tal, na Pavuna,
quando Soares lhe ordenara que matasse Marcus de Tal, (fls. ? 85,
e 316). No novo empreendimento criminoso, por sua vez, atendia
Soares ao pedido de Climério Euribes de Almeida (fls. 23, 36, 85,
204, 370 e 394).


Ao encarregado deste IPM tudo indicava que Alcino dizia a
verdade, porque a participação de Climério no atentado já havia
sido anunciada por Nelson Raymundo de Sousa, motorista que
conduziu os criminosos para a execução do crime. Esse motorista
prestou seu depoimento na madrugada do dia oito de agosto p.p.,
perante o delegado Pastor (fl. 97).


Desde a madrugada do dia oito de agosto, se ficou sabendo da
participação de elementos da Guarda Pessoal do Presidente da
República na execução do homicídio do Major Vaz, mas a
confirmação desse fato só se obteve, em definitivo, com a
confissão de Alcino, já que, desde aquela data (fls. 35 a 44), se
verificou a impossibilidade da localização de Climério. José
Antônio Soares, em face de suas estreitas ligações com este
elemento da guarda presidencial e por diversas denúncias, passou
também a ser suspeito, mesmo antes da confissão de Alcino.
Começou então a ser procurado.


Quando ainda na situação de representante da Aeronáutica junto ao
inquérito policial, no dia dez de agosto p.p., observamos o
reconhecimento e inquirição sumária dos membros da Guarda
Pessoal, que havia sido extinta na véspera, notamos que o seu
secretário João Valente de Sousa mentia ao ser por nós
interrogado. Levando em conta sua atuação estranha, no Palácio do
Catete, na madrugada do dia oito de agosto, quando lá estivemos,
acompanhando o Sr. Ministro da Aeronáutica, o Sr. Ministro da
Justiça e o Sr. Chefe de Polícia, e pedimos ao referido delegado
sua detenção como suspeito (fls. 366, 395, 400, 422, 437, 453,
460 e 463). Também neste IPM determinamos a prisão de Valente
para averiguações, logo que iniciadas as diligências de nosso
encargo (fls. 6, 20 e 30).


Ouvido no dia 14 de agosto (fls. 72 a 75), Valente confessou sua
participação na fuga de Climério e Soares, e alegou ter atendido
a uma solicitação de seu chefe, Gregório Fortunato, que era o
chefe da Guarda Pessoal do Senhor Presidente da República. A
participação de Gregório na fuga dos criminosos consistiu no
envio para Climério, através de Valente e Soares, da quantia de
cinqüenta mil cruzeiros (Cr$50.000,00). Necessária se tornou
assim a prisão de Gregório Fortunato, que se encontrava ainda no
Palácio do Catete, desde o dia oito de agosto pp. Essa prisão se
efetuou somente no dia 15 do mesmo mês, porquanto a participação
de Gregório só veio ao conhecimento do encarregado de inquérito
com a prisão e confissão de Valente (fls. 168, 310, 345, 360,
366, 389, 396, 402, 453).


Ouvido, Gregório Fortunato negou de forma categórica sua
interferência no crime, mas a continuação das diligências
permitiu que provas fossem colhidas, demonstrando de maneira
cabal a participação do chefe da Guarda Pessoal não só na fuga
dos criminosos, mas também na determinação do atentado.


Realmente, preso Climério, e ao confessar este, reiteradamente,
sua participação no assassinato e nas tentativas (fls. 204 a 214
e 370 a 376), deixou positivado que Gregório, além de cooperar na
fuga, tinha sido o mandante direto do atentado.


O fato de coincidir a seqüência numérica das cédulas novas, da
mesma série e do valor de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros),
apreendidas na residência de Gregório, em poder de Climério,
Alcino e Soares, ainda mais veio fortalecer a certeza da atuação
do Gregório (fls. 105, 107, 108, 113 e 236). Diante dessas provas
irrefutáveis de sua interferência no crime, resolveu Gregório, em
várias declarações que prestou, confessar, de forma ampla, sua
ostensiva participação em todas as fases do atentado da Rua
Toneleros (fls. 258 a 259, 359 a 360, 394 a 397, 398 a 404 e 408
a 410).


É de assinalar que a convicção da participação de Gregório, no
atentado, foi se avolumando à proporção que eram ouvidas
testemunhas, como sejam Roberto Alves (fls. 267 a 268 e 310 a
311), Archimedes Manhães (fls. 163 a 169), Arthur Ramos da Silva
(fls. 100 a 102 e 239 a 240). Tomás Amaral (fls. 142 a 143 e 342
a 343), José Almeida Aquino (fls. 354 a 356) e Victor Costa
Petraglia Geraldine (fls. 202 a 203 e 345 a 346), de cujos
depoimentos se pode inferir que, no dia nove de agosto, data da
dissolução da Guarda Pessoal, Gregório demonstrava grande
inquietação, procurava obter dinheiro e deixar o Palácio do
Catete, usando nesta ocasião de expressões que revelavam sua
responsabilidade nos acontecimentos.


10) A confissão plena de Gregório Fortunato, de sua participação
no atentado, chamando a si a responsabilidade de mandante,
poderia parecer o ponto derradeiro das investigações, se os
antecedentes do crime e suas circunstâncias não nos levassem à
convicção de que Gregório guardava outros segredos, além dos já
revelados. Bastaria atentar para que, antes de confessar a
posição de mandante do crime, Gregório acusara frontalmente o
Deputado Euvaldo Lodi como um dos instigadores do atentado,
acusação que sustentou em veemente acareação (fl. 273). Tínhamos,
então, o ponto de partida para levarmos avante as investigações,
com o único objetivo de esclarecer toda a verdade, apontando à
Justiça todos aqueles que direta ou indiretamente levaram sua
colaboração a Gregório Fortunato na preparação intelectual do
delito.


Com efeito, não distingue a lei penal, no apreciar a
responsabilidade, a posição dos autores materiais e a dos autores
intelectuais do crime. Todos são co-auto-res (art. 53 do CPM).


Desse modo, cumpre-nos examinar, dentre as provas colhidas no
inquérito, a situação de todos aqueles que por ordem cronológica,
são apontados, focalizando, em síntese, a posição de cada um
acima de Gregório Fortunato.


Euvaldo Lodi - Foi o primeiro a surgir. Nas declarações que
prestou, no dia 21 de agosto p.p., relata Gregório Fortunato a
proposta que recebera de Lodi por intermédio do Roberto Alves, no
sentido de "bombardear" Carlos Lacerda. Refere que repeliu tal
proposta, que foi reiterada, já agora no seu quarto no Palácio do
Catete, pelo próprio Euvaldo Lodi, em termos violentos. Confessou
Roberto Alves a proposta que recebera de Lodi, e que transmitiu a
Gregório, proposta feita no Hotel Olinda, em Copacabana, na
presença dos Senhores João Gaia Gomes e Nelson Junqueira da Veiga
Azevedo, que, ouvidos, confirmaram as declarações de Roberto
Alves (fls. 303 a 306).


Ouvido o Deputado Euvaldo Lodi, negou a acusação formulada por
Gregório Fortunato e Roberto Alves; necessária se tornou, assim,
uma acareação entre Gregório Fortunato, Roberto Alves e Euvaldo
Lodi. Sustentaram os dois primeiros, de forma enérgica, que este
último, realmente, incitara Gregório ao homicídio.


Cremos não ser possível traduzir, no papel, a impressão causada
pela veemência dos acusadores, no espírito daqueles que
presenciaram a aludida acareação. Entre eles se encontrava o
Deputado José Augusto, então Presidente em exercício da Câmara
dos Deputados. Enquanto Gregório e Roberto reafirmaram, de
maneira categórica e vigorosa, a acusação feita a Lodi, este,
pela atitude timorata e passiva que assumiu, afastou qualquer
sombra de dúvida sobre a verdade encerrada na imputação do
incitamento.


Benjamin Dornelles Vargas - Na história deste atentado, preparado
por Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal do Presidente da
República, a figura de Benjamin Dornelles Vargas aparece. É
Benjamim irmão do falecido ex-Presidente da República, o qual
para ele apelava nos momentos difíceis do seu Governo,
considerando-o como homem capaz de dar solução extraordinária
para as crises que se afiguravam insolúveis pelos processos
comuns ou anormais. Uma vez mais, como em 1945, ocorreu essa
utilização dos préstimos de Benjamin Dornelles Vargas.


Na madrugada do dia 3 de agosto, revelava pela primeira vez o
motorista Nelson Raymundo de Sousa o nome de Climério como
participante do atentado da Rua Toneleros. Nessa madrugada,
chegava ao conhecimento do Palácio do Catete o nome de Climério,
logo identificado como elemento da Guarda Pessoal do Presidente
da República.


Na mesma manhã, poucas horas depois, toma Benjamin Vargas
conhecimento de ser Gregório Fortunato mandante do crime.
Dirige-se Benjamin ao encontro do ex-Presidente da República,
pois que por ele fora chamado com urgência.


Este fato, de inegável importância e gravidade, está provado
pelas confissões de Benjamin Vargas e Gregório Fortunato.


Vejamos como tais fatos se passaram: Gregório Fortunato é chamado
pelo Presidente e, por este interpelado, nega a participação de
qualquer elemento da Guarda no atentado da Rua Toneleros (fl.
400).


Na manhã do mesmo dia 8, ordena o Presidente da República que seu
Ajudante de Ordens, Major Accioly, chame ao Palácio o Sr.
Benjamin Vargas. Localizado este em Petrópolis, a ordem foi
cumprida. Mas Gregório Fortunato toma a iniciativa de ir ao
encontro de Benjamin Vargas. Esse encontro se dá no início da
serra de Petrópolis. Gregório convida Benjamin a vir em sua
companhia, o que foi aceito. No trajeto da estrada Rio-Petrópolis
para o Palácio do Catete, confabulam em voz baixa, para não serem
ouvidos por Archimedes Manhães e pelo motorista Arthur Ramos da
Silva, acompanhado de Gregório (fls. 163 e 239).


Chamado Benjamin Vargas para prestar declarações no dia 2 de
setembro, procura mentir, afirmando que a palestra mantida com
Gregório na viagem, se circunscreveu a um apelo que lhe fez
Gregório para interceder junto ao ex-Presidente da República,
pois este o despedira, e lhe declarara não merecer ele Gregório
mais confiança. Segundo Benjamin, Gregório se queixara por ter
sido tratado de modo áspero. Informa Benjamin Vargas que, chegado
ao Palácio do Catete, se dirigiu ao encontro do ex-Presidente da
República (1.387).


Esse mentiroso depoimento se desmascara quando, ouvido novamente
Gregório Fortunato, informa que na manhã do domingo, véspera da
dissolução da Guarda Pessoal, quando se dirigiu à Petrópolis ao
encontro de Benjamin Vargas, encontro que se deu no meio da
subida da serra, nessa ocasião confessou a Benjamin que mandara
Climério "tomar providências para dar sumiço ao jornalista Carlos
Lacerda". E admite que o mesmo Benjamin, logo à chegada, tenha
levado ao conhecimento do ex-Presidente Vargas os fatos que lhe
foram relatados pelo declarante no automóvel, durante a viagem
para o Palácio do Catete (fl. 408).


Era óbvio que, com a confissão de Gregório da comunicação feita a
Benjamin Vargas, durante a aludida viagem, impunha-se a
necessidade de ouvir novamente Benjamin, o que foi feito no dia 9
do corrente mês, prestando novas declarações, diz Benjamin Vargas
que, efetivamente, no domingo, dia 8 de agosto do corrente ano,
durante a viagem da estrada Rio-Petrópolis ao Palácio do Catete,
"Gregório confessou ao depoente ser o mandante do atentado da Rua
Toneleros, que foi por ele Gregório arquitetado o plano "para
acabar com esse sujeito", (fl. 414.)


Como se pode verificar, foi Benjamin Vargas chamado pelo
Presidente da República na manhã de domingo, dia 8 de agosto, em
momento grave da vida do Governo. A gravidade do assunto a ser
com ele tratado é encarecida pelo Major Accioly, que lhe faz, por
telefone, o chamado para vir ao encontro do ex-Presidente (fl.
421). E, no trajeto de Petrópolis para o Palácio do Catete, toma
conhecimento da confissão do homem de confiança do ex-Presidente
e chefe de sua Guarda Pessoal, de ser Gregório o mandante do
crime da Rua Toneleros. Chegando ao palácio, vai Benjamin,
imediatamente, ao encontro do ex-Presidente da República.


Acreditamos não ser possível admitir que Benjamin Vargas, chamado
em momento grave (pois sobre a gravidade da situação o advertira
o Major Accioly), tivesse deixado de comunicar ao Presidente da
República que o chefe de sua Guarda Pessoal lhe confessara, na
viagem, ser o mandante do atentado, a não ser por um ato de
traição ao seu próprio irmão, o ex-Presidente da República.


E o mandante do crime permanece asilado no Palácio do Catete,
durante sete dias, enquanto a Polícia Civil e a Aeronáutica
procuravam em todo o Brasil o criminoso. E Gregório Fortunato
somente foi entregue ao encarregado do IPM no dia 15 de agosto do
corrente ano e detido, em conseqüência, para averiguações.


Danton Coelho - Como incitador do atentado, aparece também esse
deputado federal, apontado, em declarações diretas, por Gregório
Fortunato (fl. 408). Não nos foi porém possível apurar a medida
exata de sua participação, pois esse parlamentar, valendo-se de
suas imunidades, recusou-se a prestar qualquer esclarecimento no
IPM.


General Ângelo Mendes de Morais - O aparecimento de indícios
contra esse oficial-general determinou a remessa do presente IPM
a V. Exa na forma do § 1o do artigo 115 do CJM (fls. 408 a 416).


Como se depreende da leitura dos autos, e ficou bem claro no
correr das investigações, os indícios inicialmente colhidos
formavam como o que um feixe que, invariavelmente, se orientava
para a pessoa de Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal do
ex-Presidente da República. Até aí, isto é, até à pessoa de
Gregório, as coisas andaram sem grandes dificuldades, e foi
relativamente fácil chegar à confissão de Gregório, no que diz
com sua responsabilidade pessoal.


Entretanto, havia razões para supor que houvesse participantes de
maior categoria, e as diligências prosseguiram agora com grandes
dificuldades, pois esbarrávamos sempre nessa singular figura de
criminoso que é Gregório Fortunato, endurecido na diligência e
por isso mesmo de manipulação difícil por quem se proponha a
investigar partindo de revelações suas. Homens desse tipo só
falam quando acham que isso lhes convém, e ainda assim quando,
eventualmente, são encurralados por uma avalanche de provas.


É claro que procuramos abordá-lo sempre levando em conta as
peculiaridades de seu caráter, e acabamos por conseguir que
dissesse algo mais sobre a verdade de seu conhecimento. Como
último esforço, chegamos em reinquirição ao seu depoimento de fl.
408, no qual fixa ele a responsabilidade de três co-autores.


11) Ainda que citado o Deputado Luthero Vargas em algum
depoimento como possível mandante do atentado, somos levados a
não indiciar, porque a preocupação dos criminosos em apontá-lo
como responsável, por si só, seria suficiente para evidenciar que
constituía isso uma derivação com o fito de desviar as
investigações de seu verdadeiro objetivo. Claro que não se chegou
a uma conclusão positiva quanto à causa dessa tentativa de
derivação, mas também é líquido que os depoimentos de Climério,
Soares e Gregório - quanto a Luthero Vargas - tornam inverossímil
a imputação.


12) Do estudo deste IPM ressalta a necessidade de se apurarem
fatos delituosos nele descobertos e que, por não terem relação
direta com este inquérito, deixaram de ser considerados.


O conteúdo das provas coligidas revelou a existência de um
adiantado processo de corrupção no seio do Governo. Descobriu-se
que a organização constitucional do Poder Executivo fora
desnaturada e degradada como hipertrófico crescimento da
influência de áulicos e validos da Presidência da República. O
IPM pôs à mostra uma copiosa coleção de delitos marginais,
praticados por elementos que viviam à sombra do Governo.
Instaurado para investigação dos crimes contra a pessoa, nele se
revelaram crimes contra o patrimônio, crimes contra a fé pública
e crimes contra a administração pública. Estes últimos, em
impressionante seqüência, produziram profundo abalo na opinião
pública, com inevitáveis reflexos sobre a dignidade do Governo,
do qual hauriam os criminosos autoridade e prestígio. E, a esse
propósito, entendemos de nosso dever deixar aqui constância da
declaração do Exmo Sr. Dr. Getúlio Vargas, finado Presidente da
República, ao inteirar-se dos fatos apurados: "Tenho a impressão
de me encontrar sobre um mar de lama".


13) É preciso, a bem da verdade, assinalar que, ao se apurar a
responsabilidade dos mandantes do atentado, procuramos agir com
serenidade, para evitar pudessem, de longe que fosse,
atribuir-nos intuitos preconcebidos ou objetivo de achar
mandantes de qualquer modo.


Num inquérito deste vulto e gravidade, com a responsabilidade que
a Aeronáutica assumiu de apurar o delito e apontar os seus
autores à Justiça, um roteiro se nos impôs, qual o de chegar à
verdade usando tão-só os recursos que a lei nos permite.


Compreendendo que na apuração do atentado estavam em jogo
interesses contrariados e, principalmente, tendo em vista as
pessoas envolvidas no crime, que se procuraria fazer para
desviar-nos do roteiro traçado, colocamo-nos em ponto
eqüidistante das paixões, para bem servir à Justiça.


O julgamento do dever cumprido devemos fazê-lo na nossa
consciência. Dos fatos apurados o fará a Justiça, para cuja
soberana apreciação, não temos dúvidas, procuramos reunir as
provas de um bárbaro crime.


João Adil Oliveira, Cel.-Av., Encarregado do IPM.
CONFISSÃO PORMENORIZADA DO EXECUTANTE DA EMPREITADA
Íntegra do depoimento prestado no dia 13 de
agosto, na Base Aérea do Galeão perante a Comissão
Policial Militar de Inquérito, por Alcino João do
Nascimento,* autor dos disparos que causaram a
morte do Major Rubem Florentino Vaz e ferimentos
no jornalista Carlos Lacerda, e no vigilante
municipal Sávio Romero:
Aos treze dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e
cinqüenta e quatro, nesta cidade do Rio de Janeiro, no Quartel da
Base Aérea do Galeão, presente o Coronel-Aviador João Adil
Oliveira, encarregado do presente inquérito, comigo, Aldo
Sartori, Segundo-Tenente IG, servindo de escrivão, compareceu
Alcino João do Nascimento, a fim de ser interrogado sobre os
fatos constantes da portaria fls. no quatro, que deu origem ao
presente inquérito, a qual lhe foi lida. Em seguida, passou
aquela autoridade a interrogá-lo da maneira seguinte: Qual o seu
nome, idade, filiação, estado civil, naturalidade, profissão e
residência. Respondeu que seu nome é Alcino João do Nascimento,
com trinta e três anos de idade, filho de José João do Nascimento
e de Leonídia Maria do Nascimento, casado, natural do Estado do
Rio de Janeiro, cidade de Itaperuna, profissão carpinteiro,
carteira do Ministério do Trabalho de número 53.916, série 69-A,
emitida em 27 de setembro de 1948, residente no Parque Mirim, em
São João de Meriti, Estado do Rio de Janeiro.


Perguntado como se deram os fatos constantes da portaria de fl.
4, e que lhe foi lida, declarou o seguinte: que sendo natural de
Itaperuna, Estado do Rio de Janeiro, foi para Resplendor, Estado
de Minas Gerais, onde se casou e de onde são naturais três dos
seus filhos; que dadas as dificuldades de vida no interior,
transferiu-se com a família para Itaperuna, indo residir com um
seu irmão de nome Virgílio João do Nascimento. Não tendo, porém,
seu irmão cumprido as promessas que fizera de ajudar o
declarante, retornou o declarante a Resplendor, onde permaneceu
pouco tempo, dado continuarem as mesmas dificuldades, resolvendo
então transferir-se para esta capital, no ano de 1948, indo
localizar-se em Belford, mudando-se pouco depois para o subúrbio
de Irajá, no Distrito Federal.


No ano de 1950, o declarante voltou novamente para Minas, indo
para Mantenópolis, a convite do sogro dele, declarante, onde
permaneceu até o ano de 1952, quando resolveu, em virtude de uma
desinteligência com seu cunhado Antônio A. Ribeiro, voltar para
São João de Meriti, vindo nessa ocasião sozinho, e, cerca de dois
meses depois, mandou buscar a família.


Continua até hoje a residir em São João de Meriti, na Rua Gil
Queirós, no 192, pagando de aluguel a quantia de quinhentos e
cinqüenta cruzeiros e mais a importância de cinqüenta cruzeiros
relativas ao gasto de luz; que, o declarante, para o sustento da
família, montou uma oficina clandestina de móveis laqueados, onde
morava.


Assim permaneceu até o ano de 1953, quando em outubro desse ano
conseguiu um emprego na firma Aloísio Coelho dos Santos, sito na
Rua Brasilina no 16, em Cascadura, onde trabalhou cerca de três
meses, de onde saiu; em fins de dezembro do mesmo ano, passando a
viver de biscates; na vida de biscateiro, não auferia proventos
para o sustento de sua família, vivendo o declarante em grande
dificuldade.


Há cerca de sete meses, em dia que o declarante não se recorda,
ao sair de sua casa, viu parado perto um automóvel Chevrolet de
cor preta e junto do mesmo um cidadão, estatuto, digo, que não
conhecia, e que mais tarde veio a saber chamar-se Antônio Soares,
digo, José Antônio Soares, cuja pessoa reconhece na fotografia
que neste ato me é mostrada; que, ao ver o declarante, Soares
perguntou-lhe se conhecia uma mulher de nome Sebastiana, a quem
estava procurando, informando o declarante não conhecer a mulher
procurada, indagou o declarante a Soares, se o seu destino era a
cidade, recebendo afirmativa, pedindo então a Soares uma
"carona", que durante o trajeto para a cidade passou Soares a
indagar do declarante onde trabalhava, informando o declarante
que estava desempregado e que vivia de biscates, lutando com
muita dificuldade, passado cerca de um mês foi o declarante
procurado por Soares, em sua residência, tendo antes, entretanto,
tido alguns encontros com Soares, que manifestava sempre o desejo
de ajudar o declarante, fornecendo-lhe pequenas quantias de
dinheiro.


Como informou acima, foi procurado em sua residência por Soares,
e depois de breve palestra convidou Soares ao declarante para
sair, quando já na rua disse Sores que tinha um "negócio" para o
declarante.


Manifestando-se o declarante interessado no referido "negócio",
ocasião em que Soares informou que o "negócio" seria a
"eliminação" de Naval, que posteriormente o declarante veio a
saber que Naval tratava-se de um desafeto do Soares, pois este
estava suspeitoso de que o mesmo procurava seduzir a sua mulher,
de nome Nely.


Soares prometeu e efetivamente pagou para atirar em Naval ao
declarante a quantia de cinco mil cruzeiros, que efetivamente, na
época do carnaval, o declarante fez disparos contra um homem na
suposição de ser Naval, matando-o, que isto ocorreu em uma rua
cujo nome não sabe, mas foi perto da Estação de Pavuna.


Depois disso o declarante voltou aos seus biscates e, quando
estava muito apertado, Soares lhe dava uns cem cruzeiros.


Há cerca de uns dois meses voltou Soares à residência do
declarante, com o objetivo de levá-lo à casa de um amigo, para
entabular outro "negócio", que, efetivamente, em companhia de
Soares, foi à casa da Rua Sucupira, no 32, em Cachambi, onde aí
foi apresentado a Climério Euribes de Almeida.


Reunidos os três, declarou Soares que o novo "negócio" seria a
prática de novo homicídio, que denominou de "ambulante", isto é,
homicídio a ser praticado em local incerto.


Nesta ocasião não foi revelado o nome da vítima, o que somente
ocorreu em um comício realizado na Praça da Liberdade, em Nova
Iguaçu.


No dia do comício, data que não se recorda, estando presente o
declarante, Soares e Climério, este último, no momento em que
discursava o Dr. Carlos Lacerda, apontou-o ao declarante, dizendo
ser aquele o homem que deveria ser morto.


Este dia foi apenas de reconhecimento da futura vítima, que após
o regresso de Nova Iguaçu, não podendo o declarante ir à casa de
Climério, mandou que sua esposa apanhasse com o mesmo a quantia
de mil cruzeiros conforme promessa que foi cumprida.


Ao regressar da casa de Climério, a esposa do declarante trouxe
um recado no sentido de o declarante ir à casa de Climério, o que
fez no dia seguinte; que na casa de Climério o declarante foi
avisado de que deveria ir a Barra Mansa, onde se realizaria um
comício, ocasião em que o Dr. Carlos Lacerda estaria presente
nesse comício, quando se procederia ao seu assassínio.


Efetivamente, no dia do comício, data que não se recorda, o
declarante foi para a casa de Soares, na Rua Padre Nóbrega no
911, casa 29, em Cascadura, local em que pouco depois chegou
Climério, que, por volta das 17 horas, o declarante, Climério e
Soares se dirigiram para Barra Mansa, no carro deste último, que
o dirigia.


Não conseguiram atingir a cidade de Barra Mansa, pois mais ou
menos na distância de cinco quilômetros dessa cidade sobreveio
uma avaria no carro, que, entretanto, Soares, ao mesmo tempo que
providenciava sobre um reboque para o carro de sua propriedade,
conseguiu um táxi para levá-los a Barra Mansa, quando ainda
tiveram a oportunidade de assistir ao final do comício, momento
em que discursava o Dr. Carlos Lacerda.


Quando o declarante não executou o homicídio planejado porque
Climério e Soares ponderaram a dificuldade de fugir, uma vez que
estavam sem o automóvel de Soares, que Climério e Soares
conduziam cada um, uma pasta de couro, onde estavam guardadas as
armas, sendo que uma das armas seria fornecida ao declarante para
a execução do assassínio do Dr. Carlos Lacerda.


No dia seguinte os declarantes Climério e Soares aguardaram que
fosse reparado o defeito do carro, o que só ocorreu à noite,
regressando então os três para esta capital; que no dia do
regresso recebeu o declarante, de Climério, a quantia de
quinhentos cruzeiros.


De volta à sua residência, em conversa com a esposa dele,
declarante, disse o declarante que estava disposto a desistir da
empreitada, não só pela grande responsabilidade que ia assumir,
assim como porque Climério e Soares haviam prometido mundos e
fundos, sem que até aquele momento houvessem efetivado a
promessa.


De acordo com sua esposa, resolveu o declarante procurar Climério
e Soares para o fim de demonstrar o seu descontentamento com a
situação; que foi o declarante à casa de Climério que disse ao
declarante que não se preocupasse com o emprego, pois lhe
garantiria um cargo de investigador de Polícia, cargo cuja
remuneração era de cinco a seis mil cruzeiros, achando o
declarante interessante a promessa, resolveu continuar na
empreitada.


Nesse mesmo dia, Climério comunicou ao declarante que deveria
voltar a sua casa no dia 4 de agosto corrente, na parte da tarde,
o que realmente fez, lá chegando cerca das 16 horas.


Cerca de uma hora depois se dirigiu o declarante, em companhia de
Climério, até o jardim do Méier, onde procuraram um táxi.


Na hora que tomaram o táxi, informou Climério que "iam com
destino ao Colégio São José, na Rua Barão de Mesquita, pois lá se
encontrava o Dr. Carlos Lacerda, e que a oportunidade era cem por
cento para que o declarante eliminasse o referido Carlos
Lacerda."


Ao chegar na Rua Barão de Mesquita, saltaram do veículo em um
ponto antes do Colégio para onde iam, fato esse que constatou
quando chegaram no referido educandário que, logo após saltarem
do táxi, Climério deixou o declarante em um ponto de bonde,
dizendo-lhe que ia telefonar para o motorista de nome Nelson
Raimundo de Souza a quem já conhecia de vista.


Cerca de dez minutos depois, voltou Climério à presença do
declarante, informando que já tinha dado vários telefonemas, sem
contudo encontrar o motorista Nelson no ponto de táxi, que, com
pouco tempo depois disse Climério que iria tentar novamente se
comunicar com o motorista Nelson, retornando poucos minutos após
para dizer que não tinha conseguido falar com Nelson, deixando,
entretanto, recado para ele, Nelson, comparecer ao local onde se
encontrava o declarante Climério.


Cerca de vinte e três horas, chegou o motorista Nelson ao local,
entrando em conversação com Climério, ouvindo o declarante,
Climério dizer a Nelson, apontando para ele, declarante, "esse
camarada aí vai dar um tiro na perna dum, você faça a corrida com
ele".


O declarante e Climério entraram no carro de Nelson, que
estacionaram o carro numa rua transversal à Rua Barão de Mesquita
e perto do Colégio.


Deixando o carro de Nelson estacionado, o declarante e Climério
se dirigiram para o Colégio, ficando o declarante parado numa
distância de mais ou menos uns vinte metros, sendo que Climério
ficou na calçada fronteira ao colégio e o declarante, como já
disse, mais ou menos a vinte metros da entrada do colégio.


Antes de o declarante se postar no local acima referido, havia
recebido de Climério o revólver que este trazia em uma pasta de
couro, arma que deveria ser usada para atirar no Dr. Carlos
Lacerda, quando o declarante chegou ao local, observou que várias
pessoas já vinham saindo do interior do educandário, não tendo o
declarante conseguido descobrir a pessoa do Dr. Carlos Lacerda,
fato que determinou o declarante ficasse aguardando a saída do
último carro. Após a partida do último carro dirigiu-se para
Climério para informá-lo que não havia visto o homem; que o
declarante e Climério foram para o carro de Nelson, dizendo
Climério que fossem para Copacabana; momento em que Climério,
respondendo a uma pergunta de Nelson, informou que se destinava
para a Rua Toneleros; que na [ilegível] Climério disse ao
declarante que na Rua Toneleros, num edifício, morava o Dr.
Carlos Lacerda; ao chegar à Rua Toneleros, o carro dobrou uma
esquina onde estacionou, dele descendo o declarante e Climério,
ao tomar a Rua Toneleros, adiantou um pouco, parando na outra
esquina onde o declarante o alcançou e ficaram palestrando; pouco
depois parou um automóvel em frente a um edifício de apartamentos
que lhe fora apontado pouco antes por Climério, saltando do dito
automóvel três pessoas que passaram conversando, dentre as quais
reconheceu o Dr. Carlos Lacerda.


A emboscada, observou o declarante, se deu quando o Dr. Carlos
Lacerda se despedia de uma das pessoas do grupo. Enquanto o Dr.
Carlos Lacerda se dirigia para a porta da garagem do edifício,
acompanhado da terceira pessoa, a pessoa que ficou, fez uma volta
em frente ao carro como se fosse entrar no mesmo, ocasião em que
o declarante procurou colocar-se na traseira do carro, passando a
seguir para a calçada de onde alvejou o Dr. Carlos Lacerda,
procurando atingi-lo nas pernas, o que lhe pareceu ter
conseguido, pois o Dr. Carlos Lacerda deu impressão ao declarante
de haver tropeçado, para em seguida correr para o interior da
garagem. Logo em seguida ao disparo da arma foi o declarante
surpreendido pela pessoa que procurava entrar no carro, a qual
avançou para o declarante segurando o cano da arma com as duas
mãos, colocando-se na frente do declarante, na distância dos
braços de ambos esticados, na disputa da posse da arma, nesse
instante acionou o gatilho disparando a arma contra seu contendor
num instante de defesa, momento em que ouviu um disparo que deu a
impressão de ter partido da direção da garagem do edifício,
conseguindo o declarante ficar de posse da arma, provocando o
desequilíbrio dos contendores, tombando ambos para lados apostos,
do que se aproveitou o declarante para fazer outro disparo na
direção do seu contendor, sem fazer pontaria, ao mesmo tempo em
que se punha em fuga.


Ao fugir, o fez em direção onde estava estacionado o carro de
Nelson, já agora alvejado de diversas direções; que antes de
alcançar a esquina onde estava estacionado o carro de Nelson, viu
um guarda que vinha em direção do declarante, atirando.


Continuando na fuga e ao se aproximar da esquina, atirou contra o
guarda, que na ocasião, gritava ao declarante "Pára", "Pára",
"Pára", atingindo o carro de Nelson, cuja máquina já estava
funcionando, nele embarcou o declarante, sendo o carro posto em
movimento, em direção à cidade; que quando entrou no carro não
viu Climério no seu interior, presumindo que ele teria fugido
pela rua em cuja esquina ficara em observação aos acontecimentos;
ao chegar à cidade o declarante saltou na esquina da Rua México
com Santa Luzia, tomando um lotação para a Praça da Bandeira,
onde saltou e a seguir tomou um táxi, dirigindo-se para a casa de
Climério em Cachambi.


Algum tempo depois chegaram Climério e Nelson, no automóvel deste
último, fato este que constatou por uma janela da casa próximo da
qual se achava sentado; quando chegou na casa de Climério, ali
encontrou a esposa deste D. Elvira e seu filho Adão, sendo que D.
Elvira ao ver o declarante exclamou: "Barbaridade, ouvi pelo
rádio que atiraram na perna do homem", retirando-se para os
fundos da casa, enquanto o declarante se dirigia ao banheiro,
para tomar água, voltando depois para a sala indo sentar-se na
mesma cadeira.


Assim ficou até a chegada de Climério e Nelson, que ao entrarem,
vendo o declarante na sala, perguntaram-lhe "o que é que havia e
como estava", ao que o declarante respondeu: "Nada, e estou bem
graças a Deus"; voltando-se ainda Climério a perguntar ao
declarante o que há, o que respondeu o declarante que "nada digo,
não sei; D. Elvira está lá dentro ouvindo o rádio", dirigindo-se
Climério para o interior da casa, onde ficou palestrando com D.
Elvira, tendo o declarante saído para a varanda a fim de fumar um
cigarro, que quando o depoente estava na varanda, Climério, em
companhia de Nelson, saíram do interior da casa para a rua,
dirigindo-se para o automóvel mostrando Nelson a Climério os
vestígios deixados no carro pelos tiros que foram disparados
sobre eles, recordando-se o declarante que os tiros haviam sido
dados contra o carro, partidos da direção do guarda e um vindo de
cima, da direção de um dos edifícios, por ocasião do início da
fuga, no carro de Nelson logo após o atentado; depois de
confabularem, Climério e Nelson, sobre assuntos que o declarante
não ouviu, retirou-se na direção de seu carro este último,
voltando Climério para o interior da casa indo para o quarto,
continuando o declarante na varanda.


Momentos depois voltou ao interior da casa e na sala passou a
ouvir um rádio que estava ligado, tomando conhecimento, então, de
que o atentado resultara em ferimentos no pé do Dr. Carlos
Lacerda e ferido gravemente um major da Aeronáutica, cujo nome
foi transmitido, porém o declarante não se recorda, retirando-se
em seguida o declarante para os fundos da casa.


Ao amanhecer o declarante, Climério e seu filho Adão dirigiram-se
para a casa do declarante onde passaram todo o dia, quando por
volta das dezoito horas, Climério declarou que iria até ao centro
da cidade, o que fez.


Na sexta-feira, dia 6 de agosto, Climério retornou à casa do
declarante por volta das 7 horas da manhã e retirando do bolso um
maço de notas entregou-o ao declarante, ao mesmo tempo que pedia
que ele contasse, verificando o declarante que o maço continha
dez mil cruzeiros em notas de um mil cruzeiros, onde Climério
disse para o declarante que ficasse com ele o dinheiro.


Nessa mesma ocasião ponderou Climério que não era conveniente que
o declarante e ele, Climério, permanecessem ali, achando
conveniente que fosse para a chácara de Climério, no Parque de
São Bernardo.


Climério pediu ao declarante que separasse alguma roupa, que foi
colocada na mala do próprio Climério, que a trouxera quando saíra
de Cachambi com destino à casa do declarante ao amanhecer do dia
anterior.


Em companhia de Adão, dirigiram-se os três para a chácara de
Climério.


Ao chegar à chácara de Climério e como se mostrasse o declarante
apreensivo, procurou Climério animá-lo, dizendo que nada
aconteceria ao declarante e que tivesse confiança porque estavam
amparados por força superior.


No decorrer da conversa, veio Climério a informar ao declarante
que a força superior partia de Luthero Vargas, pois de Luthero
Vargas tinham vindo os dez mil cruzeiros entregues ao declarante:
que a declaração por parte de Climério, do nome de Luthero
Vargas, trouxe ao declarante maior tranqüilidade, mesmo porque
veio confirmar a referência que já tinha ouvido sobre o nome de
Luthero Vargas, nas conversas entre Climério e Soares, quando
diziam que o negócio estava sendo feito por ordem do referido
cidadão.


Sábado, pela parte da tarde chegou Soares ao sítio de Climério,
demonstrando uma fisionomia preocupada, informando que a coisa
não estava boa e achava bom Climério separar-se do declarante;
que diante da informação de Soares, sugeriu Climério que o
declarante pernoitasse em uma casa existente no morro perto da
chácara, casa esta que estava desocupada.


Domingo pela manhã o declarante e Climério foram à casa de Soares
com o objetivo de tomar conhecimento da situação não encontrando
Soares, quando lá chegaram, estando na casa Elvira, mulher de
Climério, e Nely mulher de Soares, que na ausência de Soares,
Climério solicita às duas mulheres a entrega da chave de uma casa
de Soares, localizada na Pavuna, chave esta que não foi
encontrada, motivo por que o declarante e Climério resolveram ir
para a casa da Pavuna, deixando um aviso com as duas mulheres,
que iriam aguardar na varanda da referida casa, a chegada de
Soares, com a respectiva chave.


No mesmo dia, domingo, cerca de 23 horas, apareceu Soares com as
duas mulheres já referidas, trazendo Soares a chave da dita casa,
que foi aberta e onde todos entraram, depois de breve palestra de
Soares com Climério, retirou-se Soares levando em sua companhia
as duas aludidas mulheres.


No dia seguinte, pela manhã, apareceu Soares, trazendo café, pão
e mortadela, para o declarante e Climério, nessa ocasião Soares,
comprometeu-se com ambos, voltar à noite, com um carro para que
ele, o declarante e Climério fugissem de onde estavam.


Cerca de 20 horas, chegou Nely, mulher de Soares, sozinha,
informando que Soares só chegaria mais tarde; que, entretanto, o
declarante olhando por uma fresta da janela viu Soares passar na
calçada fronteira, de modo dissimulado, como que não querendo ser
visto, fato que o declarante assinalou para Nely não ser Soares a
pessoa vista pelo declarante, que o declarante disse para Nely
que avisasse a Soares que iriam esperá-lo na ponte junto da
estrada que vai para Caxias, à meia-noite.


Motivara, digo, que muito embora houvessem dito a Nely, que
esperaria o Soares na referida ponte, assim não procederam o
declarante e Climério, porque já não vinham satisfeitos com
certas atitudes de Soares, sendo que o não-compareci-mento
ostensivo de Soares e sim de Nely, veio robustecer as suspeitas
do declarante e de Climério com relação a Soares, resolvendo
então ambos se dirigir para uma casinha existente no Vilar dos
Teles e pertencente a um empregado de Climério, onde o declarante
e Climério passaram todo o dia de terça-feira, e a noite também,
quando pela manhã de quarta-feira, resolveu o declarante sair,
deixando Climério na dita casinha.


Não tendo o declarante destino certo e preocupado com a situação
e com sua família resolveu esconder-se em uma capoeira no
subúrbio de Acari, que esse local ficava próximo de sua casa.


Estando escondido na referida capoeira, resolveu à noite se
aproximar de sua casa, pois continuava muito preocupado com sua
mulher e filhos, tendo antes ido à localidade de Acari, para
cortar o cabelo e barba.


Passou a noite de quarta para quinta-feira, na referida capoeira
bem como todo esse dia.


Na noite de ontem, quinta-feira, resolveu o declarante também
pernoitar nessa capoeira e, às três horas da madrugada de hoje,
apanhou um trem na estação de Acari, indo para São João de
Meriti.


Nessa localidade o declarante apanhou um táxi, e mandou o
motorista se dirigir para Caxias mas ao passar pela esquina da
rua onde mora, mandou o motorista entrar na mesma rua, e ao
passar em frente à sua residência observou parada uma caminhonete
da Aeronáutica, e vários soldados da mesma corporação.


Mais adiante, pediu ao motorista para voltar, e parar o carro
junto à caminhonete, sendo nessa ocasião o declarante preso pelos
soldados da Aeronáutica, e conduzido para a Base Aérea do Galeão.


Perguntado se Climério lhe informou alguma vez as razões por que
queria matar o Dr. Carlos Lacerda, respondeu que Climério
declarara a ele, depoente, que o Dr. Carlos Lacerda falava muito
de política e contra o partido PTB.


Perguntado se Climério ou Soares declarara ao depoente se alguém
havia dado ordem para a execução do Dr. Carlos Lacerda, respondeu
que, diretamente, nenhum dos dois lhe prestou qualquer
informação, porém algumas vezes ouviu conversas de ambos, onde
afirmavam que o mandante era Luthero Vargas.


Perguntado se se conformou com a quantia de dez mil cruzeiros que
lhe foi dada por Climério, após a execução do crime, respondeu
que não, porque esperava que ele cumprisse a promessa que fizera
de lhe dar no mínimo quinhentos contos de réis e mais algumas
porcentagens, além do emprego de investigador, como declarou
anteriormente.


Perguntado se Climério lhe informou como conseguira o dinheiro
para pagamento da quantia acima, respondeu que as quantias
pequenas recebidas Climério declarou que provinham de Luthero
Vargas, porém para os quinhentos mil cruzeiros prometidos deu uma
explicação relativa à exploração de jogos de azar.


Perguntado se sabe ir aos locais onde esteve esperando o Dr.
Carlos Lacerda e aonde está localizada sua residência, respondeu
que não, mas que se levado a qualquer um deles, reconhecerá
perfeitamente esses locais, e que é capaz de fazer um desenho que
represente os ditos locais.


Perguntado a quem pertencia a arma com que praticou o crime e
qual o destino que lhe deu, respondeu que o revólver calibre 45,
com que praticou o crime, lhe foi entregue por Climério,
carregado com seis cartuchos sobressalentes e que o destino da
arma foi determinado por Climério, isto é, jogá-la ao mar logo
após o crime.


Para isto, no trajeto, apanhou no fundo do carro uma flanela de
limpeza e enrolou com ela o revólver e ao chegar na Avenida
Beira-Mar passando próximo ao cais, preparou-se para atirá-la ao
mar, ao mesmo tempo que inesperadamente, para desviar-se de um
outro automóvel, Nelson fez com o carro uma curva brusca, o que
provocou a queda da arma antecipadamente no solo, e que este fato
se passou nas proximidades da esquina da Rua México.


Perguntado se foi o declarante que disse o local que desejaria
descer do carro de Nelson, respondeu que foi o próprio Nelson
quem parou o carro na esquina de Santa Luzia com Rua México e o
aconselhou a descer ali, porque naquela hora a radiopatrulha já
tomara certamente conhecimento do ocorrido e estaria à procura do
automóvel dele, Nelson.


Perguntado qual a origem do revólver calibre 32, e da garrucha
que hoje, ao ser preso, foram encontrados em seu poder, respondeu
que o revólver foi Climério que lhe deu na quinta-feira, logo
após chegar na chácara de Climério, e que a garrucha adquiriu há
seis meses, aproximadamente, na localidade em que reside.


Perguntado se foi esta a primeira e única vez que praticou
atentados e assassínios, respondeu que não: que tomou parte, com
Soares, no assassínio do motorista Walter, tomando-o por Naval,
que foi o declarante quem atirou em Walter.


Perguntado qual o calibre e a origem da arma que matou Walter,
respondeu que era um revólver de calibre 38, de propriedade de
Soares.


Perguntado se esteve alguma vez no Palácio do Catete e, no caso
afirmativo, com que objetivo, respondeu que, de fato, certa vez,
mais ou menos há vinte anos atrás, acompanhando Climério, que,
segundo lhe havia dito, ia buscar dinheiro para execução do
atentado contra, digo, que estavam combinando, que ficou no
jardim, próximo à portaria, enquanto Climério subiu para o fim
que tinha em vista, que regressando Climério, realmente, trouxera
dinheiro, num total de dez mil cruzeiros.


Segundo está convencido o declarante, essa quantia foi toda
fornecida por Valente, mas Climério, para tapear o declarante,
alegou que só conseguira cinco mil cruzeiros de Valente e, para
totalizar os dez mil cruzeiros, tivera de vender a Valente o seu
revólver, que esta convicção tem base na oferta que agora
Climério, para sua fuga, lhe fez do referido revólver.


Perguntado se se lembra de mais algum fato que se relacione com a
fuga do declarante e de Climério, respondeu que agora, se lembra
que, quando estava com Climério na chácara deste, no domingo
passado, por volta das nove horas, apareceu na chácara D. Elvira,
mulher de Climério, que comunicou em presença do declarante, a
Climério que, às cinco e trinta horas daquele dia Valente tinha
telefonado para ela, informando que "as coisas não estavam boas e
que o Gregório queria mandar um recado para ele, Climério, que
Valente não transmitiu porque desligou-se, repentinamente o
telefone".


Este recado de D. Elvira foi a razão da mudança de Climério e do
declarante para a casinha a que já se referiu. Perguntado se tem
fatos para alegar ou provas para apresentar que justifiquem a sua
inocência, respondeu que a sua família numerosa e a miséria em
que vivia obrigaram o declarante a aceitar ofertas tão
vantajosas, com que visava adquirir uma casa para minorar sua
situação.


E como nada mais disse nem lhe foi perguntado, deu o encarregado
do inquérito por findo o presente depoimento, mandando lavrar
este termo, que, depois de lido e achado conforme, assina com o
indiciado, as testemunhas Homero Souto de Oliveira,
Coronel-Aviador e Waldemar Resende, capitão-capelão, e os Drs.
Promotor da Justiça Militar Nelson Barbosa Sampaio e Promotor
João Batista Cordeiro Guerra, presentes a este interrogatório, e
comigo, Aldo Sartori, Segundo-Tenente de Infantaria da Guarda,

 

 servindo de escrivão, que o datilografei e assino.