Olhai os lírios de Copacabana

Imagine o lugar mais decadente do mundo. Eu o chamo de Copacabana. Morei lá dos 19 aos 22 anos. Numa fase emergente da minha vida. Do K11 para a “Princesinha do Mar”. Não estou querendo contar vantagem nem provocar inveja, mas mudar de bairro assim, da noite para o dia, não é pra qualquer um. Graças à minha amiga de colegial, a Luciane. Sim, aquela tricolor doente.

Fizemos o segundo grau em um colégio tradicional em Nova Iguaçu. Lá nos encontramos carteira a carteira. Ficamos muito amigas nem sei como, pois éramos totalmente diferentes uma da outra. Devíamos ter algum talento para conviver com a diversidade. Nunca brigamos na vida. Estudamos três anos juntas e depois moramos mais três e nenhuma briguinha para contar aqui.

Acontecia uma coisa engraçada que só a Física Quântica explica: na horinha exata em que uma abria os olhos de manhã, a outra também abria. Era incrível isso. Nossos relógios biológicos eram totalmente sincronizados. Dizer que ficávamos menstruadas ao mesmo tempo nem precisa.

Prestes a completar 19 anos, meu sonho era morar sozinha. Um dia vem a Luciane dizendo que a mãe dela comprara um apartamento em Copacabana e que eu poderia morar com ela e com o irmão lá. Nos três. SOZINHOS. Sem pai, nem mãe.

Há sonhos que a gente nem precisa sonhar. Esse foi um deles. Aconteceu antes de eu imaginá-lo.

Então fomos para Copacabana, Posto 2, perto da Prado Junior (na época, rua do tráfico e da prostituição), num apartamentinho quarto e sala, onde o quarto era dividido por um armário. Lado das meninas e o outro do menino. Ainda bem que ficávamos do lado onde havia janela. Janela essa que dava para os fundos de outros prédios e pela qual eu gritava, segundo a Luciane me lembrou recentemente: “Quero pãooooo!!”

Eu e a Luciane compartilhávamos um meio de um quarto e sala. Ou seja, eu morava em um quarto de um quarto. O que mais tarde se tornou um terço de um meio de um quarto e sala, quando a Angélica veio morar com a gente. Luciane também me lembrou que um dia eu caí do triliche em cima da nossa amiga.

Sem contar com a Lílian que aparecia do nada. A “mansa”, como a chamávamos. Termo que aprendemos em nossas viagens para Ouro Preto e que significava uma pessoa folgada. Essa era a Lílian Mansa. Esvaziava a geladeira, mas preenchia aquele lar com sua energia positiva.

O apê ficava num primeiro andar, bem em cima de um supermercado, que volta e meia realizava reformas estruturais. Éramos obrigadas a acordar às 7 horas com martelo batendo na orelha. Aquele “cheirinho” básico de supermercado já fazia parte da família.

E, diante de tantas adversidades, eu e a Luciane nunca brigamos.

Nessa época eu estudava na ECO (Escola de Comunicação da UFRJ) e pegava o 121, Copacabana—Central. A vantagem era que eu saltava no segundo ponto logo após o túnel. Ou seja: mal entrara no veículo lotado, já desovava. Um luxo só. Grande vantagem de se morar em Copa.

Outra era a curta distância da nossa casa até a praia. Uma quadra. Sim, umazinha apenas. A desvantagem é que aquele trecho de areia, banhada com água refrescante, era freqüentado por hordas de argentinos. Eles tratavam a gente como “moças fáceis dando mole”. E isso para eles não era redundância. Difícil e dispendioso convencer os cucarachas que éramos moças de família.

Eu e Luciane passávamos batido pelas intempéries. Nos divertíamos, conhecíamos gente nova, Legião Urbana e desfrutávamos o início de nossas vidas. Aquela época maravilhosa e irreversível, quando a vida está começando e a temos todinha para errar.

Acho que por isso eu e Luciane nunca brigávamos. A gente olhava junta para frente. Não tínhamos tempo para picuinhas. E florescemos na decadência como os lírios no pântano.

Postado por Cristiana Soares em
BlogTalk, Conversas sobre comportamento, costumes, cultura e vida. Puxe a cadeira.

2007-06-11 19:09:52